Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Em Uma Ilha Bem Distante", da Netflix, vale pelo carisma da protagonista

Comédia "Em Uma Ilha Bem Distante" acompanha uma mulher alemã que parte para a Croácia após a morte da mãe e acaba em uma jornada de descobertas

Vitória
Publicado em 08/03/2023 às 19h49
Goran Bogdan como Josip Cega e Naomi Krauss como Zeynep Altin em
Goran Bogdan como Josip Cega e Naomi Krauss como Zeynep Altin em "Uma Ilha Bem Distante", da Netflix. Crédito: Nikola Predovic/Netflix

Filmes e séries sobre mulheres de meia-idade (re)descobrindo uma liberdade antes distante, por diversos motivos, talvez não sejam um sucesso absoluto de público, mas certamente têm seu apelo. Há blockbusters como “Comer, Amar e Rezar” ou ótimos filmes como “Glória” (e o remake, “Gloria Bell”), além de séries como a ótima “À Beira do Caos” ou a sensual “Sex/Lilfe”, as duas da Netflix; em comum, são obras que colocam a mulher em uma posição de poder/desejo/escolha que por anos lhe foi negada.

“Em Uma Ilha Bem Distante”, filme alemão da Netflix, Zeynep (Naomi Krauss) está infeliz. Aos 49 anos, é casada com Ilyas (Adnan Maral) e mãe de Fia (Bahar Balci), mas sofre com uma estrutura familiar patriarcal e uma casa na qual tem que fazer tudo sozinha - enquanto Ilyas é o pai engraçado, ela é a mãe chata que cobra a filha, o que está desgastando a relação entre mãe e filha. Para piorar, sua mãe morreu recentemente e seu pai, tão inútil em casa quanto Ilyas, está morando com a filha. Zeynep descobre que a mãe, nascida na Croácia, comprara uma casa em uma região deserta de seu país natal e lhe deixou como herança. Quando chega a seu limite de paciência, ela resolve deixar tudo e todos para trás na Alemanha e parte para a Croácia sem saber ao certo o que encontraria por lá.

O filme Vanessa Jopp tem essa busca inconsciente pela liberdade como pano de fundo, mas é muito mais uma comédia do que um drama. Na verdade, “Em Uma Ilha Bem Distante” é um filme que se aproxima bastante das comédias brasileiras produzidas pela Globo Filmes, com aquele vício de novelas - o filme poderia facilmente ter uma versão brasileira com Ingrid Guimarães e Leandro Hassum por exemplo.

Na Croácia, Zeynep conhece Josip (Goran Bogdan), um homem rústico que morava na casa que agora era dela. A casa vira também alvo de especulação imobiliária e, quando Zeynep percebe, ela está no meio de uma disputa por ela e pela casa. O roteiro se aproveita dessas situações para fazer humor e intrigas - acostumada a ser ignorada pelo marido, a protagonista gosta de estar no centro das atenções para variar, mesmo que sua relação inicial com Josip não seja das melhores.

Goran Bogdan como Josip Cega e Naomi Krauss como Zeynep Altin em
Goran Bogdan como Josip Cega e Naomi Krauss como Zeynep Altin em "Uma Ilha Bem Distante", da Netflix. Crédito: Nikola Predovic/Netflix

“Em Uma Ilha Bem Distante” também usa muito humor de costumes aliado ao humor físico, a mulher da cidade grande que não está acostumada com a vida no interior e com os hábitos daquele local. É muito fácil identificar os pontos em que o filme acerta e também seus pontos fracos. É interessante, por exemplo, ver Zeynep conhecendo mais sua mãe e os motivos que a levaram a comprar aquela casa tão distante sem avisar a ninguém - a ressignificação da casa para a personagem é um arco bonito.

Outro bom aspecto é a construção de Zeynep, ou, melhor, sua desconstrução a partir da personagem que conhecemos nos minutos iniciais do filme. Em pouco tempo, mas de forma eficaz, o filme a torna uma mulher de fácil identificação e faz com que entendamos o motivo de suas decisões. Da mesma forma, toda a jornada da protagonista em busca de tomar as próprias decisões, errar ou acertar, é bem recompensada no final.

Goran Bogdan como Josip Cega e Naomi Krauss como Zeynep Altin em
Goran Bogdan como Josip Cega e Naomi Krauss como Zeynep Altin em "Uma Ilha Bem Distante", da Netflix. Crédito: Nikola Predovic/Netflix

Em contrapartida, mesmo em um cenário misturando culturas turca, alemã e croata, todos os outros personagens do filme são caricaturas superficiais, exatamente o que se espera de uma comédia romântica de viagem - é verdade que o filme orbita em torno da protagonista, mas coadjuvantes mais interessantes tornariam a história de Zeynep mais rica. O roteiro também poderia fugir de alguns momentos quase constrangedores, como o “cômico” conflito final, e focar nas emoções de Zeynep, o melhor aspecto do filme.

“Em Uma Ilha Bem Distante” não é incrível, e nem precisa ser, mas é bem provável que funcione bem para seu público alvo, dialogando com suas angústias. De forma geral, o filme é leve e descompromissado, mesmo ao falar de luto e da solidão da mulher na sociedade patriarcal. Sua grande força, porém, reside em Naomi Krauss, que torna Zeynep uma mulher complexa, interessante, cheia de camadas, falhas e qualidades.

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