A dramaturgia turca de maior apelo comercial, principalmente a que vem se popularizando na Netflix nos últimos anos, tem forte pegada novelesca. Por décadas, a Turquia foi um dos maiores mercados consumidores das novelas produzidas na América Latina, principalmente no Brasil e no México, e isso influencia muito nas produções audiovisuais comerciais do país. Como exemplo de sucessos turcos recentes, as séries “De Quem Estamos Fugindo?”, “50m2”, “Ascensão do Império Otomano” ou o fenômeno pandêmico “Milagre da Cela 7”, todos disponíveis na Netflix e com forte influência das nossas novelas.
Justamente por fugir dessa estética, “Encurralados” se torna interessante logo de cara. O filme de Onur Saylak é um suspense com doses de drama social, mas sem nunca se aprofundar nisso. O filme tem início com Yalin (Kivanç Tatlitug) sozinho em um carro, carregando um cacto e ouvindo um áudio livro de Jack London e chegando a uma casa isolada. Pouco depois descobrimos que ele e a esposa, Beyza (Funda Eryigit), voltaram à pequena cidade em que ele cresceu para fugir de Istambul e recomeçar - Yalin fez parte de um golpe financeiro que prejudicou muita gente, mas, após um acordo com as autoridades, conseguiu sua liberdade.
O filme constrói de imediato uma sensação de desconforto ao acompanhar o casal. Ao chegar em uma loja, um antigo conhecido pede por dicas financeiras, mas o dono do estabelecimento se recusa a vender para ele. Em outro momento, Yalin vai atrás de um presente, mas o descobre que o pai do vendedor foi um dos enganados em seu esquema. Não demora para percebermos que Yalin não terá paz ali, e Onur Saylak desenvolve bem esse clima, com o personagem sempre olhando por cima do ombro, desconfiado de que as pessoas saibam quem ele é e o que ele fez.
“Encurralados” é um thriller tenso, com um bom clima de suspense, mas é também um texto sobre dinheiro, poder e corrupção. É interessante a maneira como o roteiro constrói os personagens, nos levando a simpatizar com Yalin antes de nos apresentar informações essenciais do filme. Nas primeiras cenas dele com Beyza, o filme é muito mais “picante” do que o conservadorismo turco normalmente permite. Assim, de início, queremos que ele tenha sua segunda chance, que possa viver em paz com a esposa, mas essa imagem é aos poucos desconstruída pelo roteiro. Quando o protagonista se vê atacado, encurralado, ele parte para a ofensiva, e cabe ao espectador apenas assistir a tudo enquanto imagina até que ponto ele seria capaz de chegar.
Em sua conclusão, “Encurralados” cresce, ganha camadas e provoca a discussão. O que aquela sequência final quer dizer? Obviamente sem revelar spoiler, é possível dizer que o final de “Encurralados” lida com a culpa e, principalmente, com a ganância. A corrupção vence, o crime compensa e a culpa é apenas uma lembrança olhando pela janela. Na falta de recompensa ao espectador, o filme trabalha com a revolta, a frustração causada por seus acontecimentos. Não é o ideal, não é o justo, não é o que esperávamos, mas é a vida.
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