Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Enxame": Boa série do Prime Video é terror com fã de diva pop

Minissérie "Enxame" ("Swarm"), da Amazon, se baseia em fatos de artistas pop para contar a história de uma serial killer fã de uma estrela baseada na Beyoncé

Vitória
Publicado em 19/03/2023 às 16h15
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Série "Enxame" ("Swarm"), da Amazon Prime Video, lida com os fãs de cantores pop. Crédito: Amazon Studios/Divulgação

Todo episódio de “Enxame” (“Swarm”), série da Amazon Prime Video, começa com a seguinte frase: “Esta não é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, e acontecimentos é intencional”. Seria então “Enxame” uma história real? Mais ou menos (mas muito mais que vários filmes e séries que se vendem como tal). Produzida por Donald Glover e Janine Nabers (ambos de “Atlanta”), a série usa acontecimentos reais de fãs um tanto psicóticos de artistas pop para criar sua própria história.

Em sete episódios de cerca de 30 minutos, “Enxame” conta a história de Andrea “Dre” Greene (Dominique Fishback), uma jovem obcecada pela artista pop Ni’jah (Nirine S. Brown), a Beyoncé daquele universo. Durante anos, para Dre e sua irmã, Marissa (Chloe Bailey), a cantora foi uma deusa - elas fazem parte do “enxame” de fãs, da colmeia que protege sua abelha rainha a qualquer custo, mais uma referência aos BeyHives, fãs da Beyoncé (“hives”, em inglês, é “colmeia”). Marissa, no entanto, desenvolveu outros interesses, tem emprego, namorado e outras prioridades. Sem entrar em spoiler algum, é possível dizer que a série logo se transforma. Dre, consumida por sua obsessão, dá início a uma série de assassinatos motivados pela idolatria e pelo seu desejo de se aproximar de Ni’jah.

“Enxame” é uma crítica direta ao universo dos fãs, mas funciona mesmo como a história de uma serial killer com graves transtornos psicológicos e nenhuma atenção. O texto é desenvolvido de forma gradual, entregando informações picadas para o espectador montar o quebra-cabeças. É só no sexto episódio, acompanhando uma detetive no formato documentário “true crime”, que conhecemos de fato a protagonista e percebemos que os indícios estavam todos ali desde o início - Dre foi negligenciada durante toda a vida, encontrando em Marissa uma relação de codependência subitamente eliminada.

Glover e Naber fizeram um extenso trabalho de pesquisa, de rumores de internet às páginas policiais, sobre acontecimentos “estranhos” envolvendo fãs e suas obsessões. “Enxame” pega essa pesquisa e coloca Dre no centro de todo o ocorrido. A série abrange dois anos e meio de vida da jovem e passeia pelos EUA como um road movie que coloca pessoas diferentes na vida da protagonista. Essa ideia funciona para mostrar que o fanatismo é apenas o gatilho para algo já latente na personalidade de Dre - muitos assassinatos são motivados pela idolatria a Ni’jah, mas outros, não.

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Série "Enxame" ("Swarm"), da Amazon Prime Video, lida com os fãs de cantores pop. Crédito: Amazon Studios/Divulgação

“Enxame” busca o desconforto, o incômodo. A minissérie nunca é asséptica e limpinha, optando por uma estética crua, suja, de cortes rápidos. O trabalho de som, com o barulho do enxame de abelhas se tornando quase insuportável, como se estivéssemos na cabeça de Dre prestes a explodir, é ótimo, dando ao espectador a já citada sensação de incômodo.

A série opta por um tom pesado de humor, que torna incômoda até a risada do espectador, que não sabe ao certo se deveria ou não rir daquilo. O diálogo de “Enxame” com “Atlanta” é bem nítido, principalmente com a terceira temporada da série protagonizada por Donald Glover, que mistura assustadores acontecimentos reais à ficção.

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Série "Enxame" ("Swarm"), da Amazon Prime Video, lida com os fãs de cantores pop. Crédito: Amazon Studios/Divulgação

É fácil também relacionar “Enxame” com o trabalho de Jordan Peele, principalmente com “Corra!” e “Nós”, obras que beiram o surrealismo, mas nunca distantes do mundo real. Em determinado episódio, por exemplo, Dre é levada para uma comunidade de mulheres brancas “good vibes” comandada pela tão falada personagem de Billie Eilish - é quase como se ela fosse uma cota de mulher negra naquele universo. Todo arco é meio sinistro pelo clima “Midsommar” de haver algo escondido por trás daquela calmaria, um ambiente pronto para explodir. O clímax desse arco é dos mais satisfatórios de “Enxame”, oferecendo uma recompensa que nos faz não apenas ver Dre além da serial killer que acompanhamos desde o primeiro episódio, mas também torcer por ela.

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Série "Enxame" ("Swarm"), da Amazon Prime Video, lida com os fãs de cantores pop. Crédito: Amazon Studios/Divulgação

“Enxame” é um texto que oferece várias possibilidades de análise social e de hábitos contemporâneos, principalmente se falarmos da fragilidade das relações, do não-pertencimento e da necessidade de se fazer parte de algo, uma necessidade, no caso, suprida pela tóxica obsessão por uma artista. Violenta, engraçada e às vezes perturbadora, a série talvez não seja de fácil consumo, mas é uma história bem construída, com ritmo exemplar e que dialoga de forma direta com o mundo em que vivemos.

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