Juntas, Glenn Close e Amy Adams têm 13 indicações ao Oscar e nenhuma vitória. Não é de surpreender, assim, que ambas mergulhem de cabeça em “Era Uma Vez um Sonho”, filme de Ron Howard (dono de dois Oscar) lançado nesta terça (24) pela Netflix, e entreguem atuações convincentes em papéis do tipo que a Academia costuma premiar, mas o fazem em um filme vazio.
Baseado na autobiografia de J. D. Vance, que se tornou um best-seller nos EUA à época da eleição de Donald Trump, o filme conta a história de vida de J. D (Gabriel Basso) mostrando como todo o drama familiar vivido por ele ajudou a moldar o caráter do ex-fuzileiro naval agora estudante de Direito da prestigiada Yale.
A narrativa vai e volta no tempo, alternando entre a adolescência de J. D. e os momentos que antecedem uma importante entrevista de emprego - em ambos períodos temporais, ele tem que lidar com sua mãe, Bev (Amy Adams), e com os ensinamentos de sua avó, Bonnie “Mamaw” (Glenn Close), as verdadeiras donas do filme. Sim, por mais que o “sonho” seja de J. D., o filme é um veículo para o talento de Adams e Close, duas grandes atrizes em busca de seu próprio sonho, o Oscar.
Não se deixe enganar pelas fotos do filme ou pelo poster: em cena, as atrizes não são tão ridículas quanto a caracterização do material promocional indica. Na verdade, a caracterização, como vemos nas imagens durante os créditos, é bem fiel às personagens reais. O problema de “Era Uma Vez um Sonho” é que o filme de Ron Howard em momento algum faz com que o espectador se importe com Bev ou Bonnie, pelo contrário, na maior parte do tempo elas são bem odiáveis.
Em uma atuação exagerada, Amy Adams parece o tempo todo no limite de explodir ou implodir, com grande alternância de humor e atitudes de certa forma inexplicáveis mesmo quando entendemos que ela sofre com algum distúrbio psicológico e convive com o abuso de substâncias. Já Glenn Close é mais contida, mesmo com a caricata persona de Mamaw. A veterana atriz é quem brilha em cena, não importa com quem divida a tela, ela compõe uma personagem humana que caminha na linha entre a crueldade e a bondade, e é interessante perceber a construção da imagem de J. D. sobre ela.
“Era Uma Vez um Sonho” se perde quando tenta ser algo mais. O que, afinal, os Vance representam? O sonho americano de J. D.? O sofrimento e a pobreza de um EUA rural e de pouca instrução? É difícil se identificar com uma história que o público não sabe ao certo qual é. Ron Howard tenta compensar as falhas do roteiro com um excesso de melodrama que nem sempre funciona - são histórias tristes, mas que pouco comovem quem as acompanha.
Howard se preocupa pouco com o cenário em que a história se passa e não percebe que ele, em si, é um ótimo personagem. O diretor também opta por um didatismo que por vezes tenta corrigir o que ele não mostra em tela - por exemplo, J. D. ressalta quão próxima Bev era de seu pai (Bo Hopkins), mas isso nunca é mostrado em cena mesmo que essa relação seja importante para reforçar os conflitos na relação entre ela e sua mãe.
Ao contar a história do sofrimento da família Vance para ressaltar o sucesso de J. D. (que é produtor do filme), “Era Uma Vez um Sonho” ignora boas histórias. Bev é uma personagem rica, o tempo todo ressaltando que era uma das melhores de sua turma na escola, mas algo se perdeu no caminho. A crítica existente no livro em que o filme se baseia é deixada de lado para priorizar o aspecto melodramático e não o drama social de um EUA de pouca esperança.
“Era Uma Vez um Sonho” não é ruim, é apenas vazio. É um filme com duas atuações fortes, quase exageradas, na medida para o Oscar, mas que nem assim consegue emocionar o público apesar da forte carga dramática do texto. Falta para Howard, um cineasta nunca afeito à sutileza, uma delicadeza de identificar as histórias que tem em mãos. Há bons momentos e boas histórias escondidas, mas elas nem sempre coincidem com a que Howard escolhe contar.
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