O primeiro “Jogos Mortais”, lançado em 2004, vinha com a frase “o melhor filme de serial killer desde ‘Seven’” no poster. O filme de James Wan, de fato, é interessante - sádico, cruel e claustrofóbico, o suspense de câmara (confinado a um ambiente) surpreende e cumpre seu papel de chocar. Não foi à toa que Wan se tornou um dos grandes nomes da indústria, criou o universo de “Invocação do Mal” (dirigiu os dois primeiros), comandou “Velozes e Furiosos 7” e “Aquaman”. Além disso, o roteirista do filme, Leigh Whannel, é um dos nomes que tem chamado atenção em Hollywood, com os bons “Upgrade” (2018, disponível na Netflix) e “Homem Invisível” (2020). “Jogos Mortais” sem dúvida marcou época.
O problema é que, ano após ano, a qualidade das sequências foi caindo vertiginosamente, com os textos dando muito mais valor às armadilhas imaginadas pelo Jigsaw (Tobin Bell) do que ao aspecto psicológico do primeiro filme. O próprio assassino acabou humanizado, ganhando história pregressa e a desculpa de testar “a vontade de viver” de suas vítimas, além de punir comportamentos que julgasse “errados”.
Morto em “Jogos Mortais 3”, John Kramer, a identidade do assassino, deixou aprendizes e seguidores que foram o foco de uma espécie de universo criado em torno de Jigsaw. Mesmo que o oitavo filme da franquia, lançado em 2016, tenha sido vendido com o último, a gente sabe bem que não é assim que as coisas funcionam em Hollywood.
Em cartaz nos cinemas “Espiral - O legado de Jogos Mortais” é o mais novo capítulo da saga. Dirigido por Darren Lynn Bousman, já conhecido da franquia após ter comandado o segundo, o terceiro e o quarto filme, o diretor tenta recuperar a semelhança que um dia viram do primeiro “Jogos Mortais” com “Seven”, mas passa muito longe do hoje clássico policial de David Fincher.
Em “Espiral”, nono filme da série, Ezekiel “Zeke” Banks (Chris Rock) é um policial honesto, aparentemente o único, que caiu em desgraça no seu departamento após denunciar um colega corrupto. Cabe a ele e ao novato William Schenk (Max Minghella, de “The Handmaid’s Tale”) a investigação de uma morte misteriosa nos trilhos do metrô. Quando vão desvendando as pistas, normalmente de alguma forma bem nojenta dentro dos corpos das vítimas, percebem haver ali uma história, um padrão, o que é facilmente corroborado quando outros policiais começam a ser assassinados.
“Espiral” tem início praticamente como um veículo para o talento de Chris Rock, que chega até a usar piadas de seus shows de stand-up em alguns momentos do filme, talvez uma maneira de aproximar o espectador de seu personagem, mas também um recurso um tanto preguiçoso. Rock domina a tela, dispara uma palavra atrás da outra, frases de efeito, mas sua atuação é abismal quando necessita de recursos dramáticos - o ator franze a testa, cerra os olhos e eleva o tom de voz. Só.
O filme carece de uma estrutura narrativa, algo quase inexistente na trama. Após a apresentação dos personagens, o segundo ato, que seria de desenvolvimento, inexiste. Darren Lynn Bousman abre mão de qualquer tipo de profundidade dos personagens para dar espaço ao que os fãs de “Jogos Mortais” querem ver, os tais jogos. De fato, as armadilhas e os jogos de “Espiral” são ótimos e criativos, além de muito bem filmados, mas têm pouco tempo de tela.
Em alguns momentos o filme parece se desconectar de tudo que o antecede. Durante a investigação, por exemplo, Zeke afirma que Jigsaw “não matava policiais”, quando em vários filmes, inclusive alguns dirigidos pelo próprio Darren Lynn Bousman, os alvos são, sim, policiais.
Toda a ideia de “Espiral”, desde seu trailer, é saber se os assassinatos são cometidos por alguém ligado ao serial killer dos primeiros filmes ou por alguém que tenta imitá-lo. Assim, o texto ganha ares mais policialescos, mas nunca empolga nesse sentido uma vez que não há investigação alguma, apenas pistas deixadas intencionalmente pelo assassino que manipula os policiais como bem entende - poucas vezes se viu detetives menos competentes na história dos filmes policiais.
Bousman traz de volta a pesada paleta de cores dos primeiros filmes e se esforça para criar uma atmosfera mais densa, que surpreenda tanto o público quanto o primeiro filme, mas não tem sucesso. “Espiral” é narrativamente confuso, sem uma estrutura, com alguns flashbacks para mostrar a relação entre Zeke e seu pai, o lendário detetive Marcus Banks (Samuel L. Jackson), e para justificar as mortes dos policiais. A virada final não é difícil de ser prevista - não por uma construção eficaz do roteiro, mas pelos clichês dos filmes do gênero.
“Espiral - O Legado de Jogos Mortais” é praticamente uma tentativa de reboot para a série de filmes. Talvez, até por isso, se distancie tanto dos jogos de Jigsaw, até no título, com o intuito de criar algo novo, mais policial, tendo os tais “jogos mortais” como pano de funo, um tempero. A intenção de novos rumos, novos filmes em um novo universo, fica clara no desfecho. Nessa tentativa, porém, o filme pode afastar os fãs de “Jogos Mortais” e não conseguir atrair um novo público, pois não é bom o suficiente para isso.
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