Em meio a tantas obras genéricas despejadas ano após ano nas plataformas de streaming, é normal deixar alguma acima da média passar despercebida. Lançada no fim de 2019 pela Netflix, a série norueguesa “Namorado para o Natal” teve duas ótimas temporadas (a segunda veio no final de 2020), mas pouca gente deu bola para ela, talvez pelo título genérico, talvez pela saturação ou pelo excesso de oferta de obras natalinas.
Confiando no poder da história, a Netflix lança agora “Eu Odeio o Natal”, um remake italiano da série norueguesa que mantém toda a essência da obra original, mas a torna ainda mais pop e atrativa. A série tem início como uma típica narrativa natalina, com belas imagens de uma Veneza toda decorada para o Natal, mas logo parte para Gianna (Pilar Fogliati), uma mulher de 30 anos explicando os motivos pelos quais odeia a data.
A explicação é rápida e logo desemboca em um jantar na casa dos pais dela - solteira, Gianna sofre com a pressão da família arrumar um namorado, principalmente depois de seu ex se casar e ter um filho. No impulso, em meio a uma discussão familiar, ela afirma estar namorando e promete levar o felizardo à ceia de Natal. Gianna agora tem cerca de um mês para encontrar alguém, mas ela sequer tem alguém em mente.
Com seis episódios de cerca de 25 minutos, “Eu Odeio o Natal” passa longe de ser uma narrativa natalina padrão, com discursos sobre a magia ou o verdadeiro significado do Natal. Ao invés disso, a série se desenvolve como uma ótima comédia romântica fortemente influenciada por obras como “Simplesmente Amor”, frequentemente citada por alguns personagens e que funciona até como um traço de personalidade de Gianna.
Acompanhamos então Gianna em uma contagem regressiva e elencando pretendentes completamente diferentes um do outro. Ao mesmo tempo, conhecemos mais a protagonista a qual fomos apresentados de supetão no início. Gianna é uma enfermeira bem-sucedida, atenciosa com os pacientes e querida pelos colegas - ela também é conhecida, meio a contragosto, por ter “deixado as relações de lado para se concentrar no trabalho”.
Esse desenvolvimento da personagem é ótimo para que o espectador se identifique com ela. Gianna é falha, expõe seus rancores e arrependimentos em conversas com as amigas e nos encontros com seus pretendentes. É nessa construção de relações, inclusive, que “Eu Odeio o Natal” tem sua força. Mesmo que de forma breve e em arcos pequenos, conhecemos o grupo de amigas e a intimidade da família da protagonista, cada grupo com suas particularidades.
De forma simples, entendemos a dinâmica familiar de Gianna, sua relação problemática com a mãe e afetuosa com o pai. Também somos conduzidos à amizade de Gianna com a bonitona e decidida workaholic Titti (Beatrice Arnera), a tímida Caterina (Cecilia Bertozzi), uma virgem em busca de se entregar a um grande amor, e a Margherita (Fiorenza Pieri), irmã da protagonista, uma mulher com problemas no casamento. As quatro conferem à série um ar que a aproxima de obras como “As Garotas do Fundão” ou “Valéria”, séries sobre cumplicidade entre amigas e que buscam eliminar a velha e datada narrativa de rivalidade feminina.
Seria muito fácil para “Eu Odeio o Natal” desenvolver uma narrativa de clichês e estereótipos, mas o texto busca a diferença. Gianna busca problemas em todos os homens com quem se relaciona, até de forma imatura, mas é levada a perceber que são apenas pessoas, com qualidades e defeitos. É muito interessante como a série convida o espectador a olhar menos para si e mais para as pessoas ao redor no convívio diário, seus dramas e suas alegrias, para conhecê-las. É mais interessante ainda quando percebemos estar fazendo o mesmo que Gianna em seus julgamentos superficiais baseados em realidades meticulosamente construídas em discursos e imagens.
“Eu Odeio o Natal” também tem outra protagonista que a distancia da série original, Veneza. A famosa cidade italiana é vista pelo olhar de moradores, sem o apelo turístico, mas de forma encantadora, com personagens usando barcos para se locomover ao trabalho, por exemplo, ou andando de bicicleta à beira dos canais. A ambientação dá à série, talvez até de forma involuntária, um ar mais clássico, o que é reforçado também pela pouca utilização de tecnologias entre os personagens - uma troca de mensagens aqui, outra acolá, e nada além disso.
“Eu Odeio o Natal” é ótima, uma série que oferece o conforto de uma narrativa sustentada nos clichês das comédias românticas, mas que também traz boas viradas com um olhar menos egoísta que nos leva a torcer por um ou outro pretendente. Para quem viu “Um Namorado para o Natal”, no entanto, as surpresas são menores, pois a série italiana segue caminhos bem similares aos seguidos pela norueguesa e tem até o mesmo gancho no final. Ao fim, leve, divertida, bem construída e inteligente, a série oferece de longe o melhor conteúdo da temporada de Natal das plataformas de streaming.
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