Primeiro filme em inglês do diretor Bong Joon-ho, hoje consagrado por “Parasita”, “Snowpiercer: O Expresso do Amanhã” tem história conturbada. O cineasta coreano já não era um desconhecido em 2013, mas teve que peitar o então todo-poderoso Harvey Weinstein para que o filme fosse lançado a seu modo.
O filme não era um blockbuster, mas tinha atrativos no elenco formado por Chris Evans, Tilda Swinton e John Hurt. Weinstein queria usar Evans, o Capitão América do universo Marvel, para encher as salas e, para isso, decidiu picotar o filme de Joon-ho tirando boas partes dos diálogos e centralizando tudo na ação e nos músculos do bonitão. A versão de Weinstein, segundo o coreano, eliminava a coerência do filme e acabava com o desenvolvimento dos personagens. Após sessões-testes com péssima recepção e ameaça de mais cortes, Joon-ho pediu que seu nome fosse retirado dos créditos do filme.
Ao fim, por um acordo contratual, a versão do coreano foi exibida em testes e teve ótima recepção. Weinstein, puto da vida, decidiu então sabotar a distribuição do filme, que se bancou, mas não foi um sucesso de bilheteria. Só mais tarde, lá pra 2015, foi que a obra começou a ganhar um status “cult” na internet e com sua disponibilidade em serviços de streaming - já esteve na Netflix e atualmente está no catálogo do Amazon Prime Video. O culto ao filme foi o suficiente pra manter o interesse na adaptação da HQ francesa de Jacques Lob e Jean-Marc Rochette que agora vira série em parceria TNT/Netflix.
Curiosamente, a nova versão de "Snowpiercer", que no Brasil virou apenas "O Expresso do Amanhã", também teve problemas. O piloto dirigido por Scott Derrickson (“Doutor Estranho”) foi praticamente ignorado, assim como o roteiro de Josh Friedman. Nunca saberemos como era a visão dele para este universo, mas a que chega nesta segunda (25) à plataforma de streaming tem seus momentos mesmo deixando pelo caminho a urgência e o senso de justiça social do filme de 2013.
No mundo de “Expresso do Amanhã”, o aquecimento global se tornou insustentável e, para acabar com isso, as autoridades decidiram uma manobra para “resfriar” o mundo. As coisas saíram do controle e deram início a uma nova Era do Gelo na qual os únicos sobreviventes são os passageiros do Snowpiercer, um trem imparável com 1001 vagões devidamente divididos em classes sociais.
Nos primeiros vagões, cheios de confortos, os financiadores da “arca” construída pelo visionário Mr. Wilford e as pessoas de relevância na sociedade criada por ele. Na terceira classe estão os trabalhadores, cuja trabalho para manter o trem funcionando em ordem pagar por suas estadias lá. No fundo, os rejeitados, pessoas que entraram no trem à força e que agora vivem sem nenhuma dignidade; e assim tem sido nos últimos sete anos. A metáfora não é sutil e nem precisa ser. A história central é a mesma, mas construída com personagens e subtramas bem diferentes.
Daveed Diggs (“Undone”) vive Andre Layton, um ex-detetive que agora vive no fundo do trem com seu filho. Ele é chamado à frente do vagão quando um crime ameaça a pacífica convivência dos privilegiados. Enquanto Mr. Wilford, o idealizador de tudo, pouco aparece, o trem é praticamente mantido em funcionamento pela maquinista Melanie (Jennifer Connelly).
Com seus 10 episódios de cerca de 50 minutos, “Expresso do Amanhã” falha ao não manter o ritmo acelerado de sua adaptação cinematográfica. Ao invés disso, a série cria algumas tramas paralelas em torno de seu tema principal: a guerra de classes e as agruras do capitalismo. Assim, Layton e os espectadores ganham mais tempo para passear pelo trem e entender seu funcionamento enquanto passa por boates, fazendas, aquários e prisões, tudo nos 1001 vagões.
A série tem design de produção interessante, com aquele ar de ficção científica de pouco orçamento que funciona bem para criar distopias. Os atores também seguram bem o texto às vezes canastrão em excesso. Na Netflix, “Expresso do Amanhã” ganha ares de série de TV aberta e até um ou outro elemento procedural, de problemas resolvidos a cada episódio. Já renovada para uma segunda temporada, a série não tem os mesmos atrativos de sua versão para os cinemas, mas trabalha outros pontos para tentar compensar, nem sempre com sucesso.
“Expresso da Amanhã” é uma trama com ambientação excelente e muitas histórias boas para contar, o problema é que nem sempre o faz. Antes de chegar a seu terceiro ato, na reta final da temporada, a série oferece idas e vindas nem sempre interessantes e algumas viradas de texto que até contradizem a ideia do material original.
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