“Feel Good” veio no embalo de “Fleabag” em tudo o que era possível, do nome curto e de pronúncia até similar, ao tipo de humor autodepreciativo e uma protagonista um tanto peculiar tentando conciliar seus problemas pessoais com família e relacionamentos. Até no formato, uma temporada de seis episódios de pouco mais de 20 minutos cada, as séries se parecem - e isso em momento algum é um problema.
“Feel Good” consegue ser original graças ao talento criativo da roteirista e protagonista Mae Martin e do roteirista Joe Hampson. Há, sim, aquele ar de “Fleabag” ao abordar temas pesados, mas a série da Netflix tem identidade própria.
Na segunda temporada, lançada na última semana pela plataforma, Mae está às voltas com os acontecimentos do último episódio da temporada anterior, quando ela destruiu seu relacionamento com George (Charlotte Ritchie) e voltou aos velhos hábitos.
O sétimo episódio da série tem início com Mae chegando a uma clínica de reabilitação no Canadá, deixando a Inglaterra e, consequentemente, George no passado. Mesmo que renda alguns bons momentos e plante alguns pilares para a temporada, esse arco dura pouco. Mae logo retorna a Londres para tentar retomar sua antiga vida, sua carreira como humorista e, principalmente, seu relacionamento.
“Feel Good”, em sua temporada final, é quase uma redenção daquele arco anteriormente contado. Ao invés de abraçar a recaída de Mae em um mergulho pesado pelo vício, a série entrega um texto mais afetuoso e positivo - toda a reconstrução do relacionamento das personagens principais é ótima. Isso não significa, porém, que as discussões tenham ficado no passado.
O roteiro tem um arco complexo sobre Transtorno de Estresse Pós-Traumático e sobre a dificuldade de se entender uma vítima, além das consequências disso na vida de uma pessoa. Essa trama abre espaço para outras discussões afetivas - Scott (John Ross Bowie) é inicialmente bacana e continua assim com o desenrolar do texto, distante do que se estereotipa o abusador. Também há discussões sobre gênero e gerações na relação de Mae com sua nova empresária, que busca usar todos os estereótipos possíveis para “vender” a comediante.
Um dos aspectos mais legais de “Feel Good” é o tratamento que a série dá para os coadjuvantes. Phil (Phil Burgers) ganha destaque, assim como os pais de Mae, Linda (Lisa Kudrow, ótima) e Malcolm (Adrian Lukis), que funcionam como o núcleo cômico, mas com uma pitada de crueldade - Linda já não deposita nenhuma confiança na reabilitação da filha e não faz questão de esconder isso.
Mae Martin continua ótima, assim como Charlotte Ritchie. A química das duas é excelente e faz com que o público queira sempre mais entre elas. É fácil vilanizar a relação de amor torta entre o casal, e elas também se questionam se estão ou não em um relacionamento “tóxico”, mas a compreensão das dificuldades enfrentadas por cada uma é essencial na evolução.
Por mais que dê vontade de assistir mais de Mae Martin em tela, a série se encerra de forma muito satisfatória, com arcos fechados e um tom surpreendentemente positivo que faz jus ao título. Mais do que uma história de redenção, a série é uma jornada de descobertas e autoconhecimento, de entendimento entre diferentes e de aceitação pessoal. Com um texto enxuto, divertido e emotivo, “Feel Good” é uma obra particular, que incomoda quando tem que incomodar, mas que também consegue falar de assuntos sérios com certa leveza e com um tom humorístico. Apesar do fim da série, é bom saber que Mae Martin e Joe Hampson já desenvolvem outros projetos em parceria com a Netflix.
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