“Fim da Estrada” é um filme curioso; o longa dirigido por Milicent Shelton termina com a impressão de que poderia ter sido um filme bem melhor se tivesse um texto mais cuidadoso no terceiro ato, mas é necessário ressaltar também que poderia facilmente ser um filme muito pior. Fica então a pergunta: vale ou não assistir ao novo filme de Queen Latifah na Netflix? Aí depende das suas expectativas… Vem comigo.
Diretora de episódios esporádicos de diversas séries ("The Walking Dead", "Insecure", "Titãs", entre outras) e acostumada a trabalhar com tempo curto de tela, Milicent Shelton aproveita bem os 90 minutos de “Fim da Estrada”. Somos apresentados a Branda Freeman (Latifah), uma viúva com problemas financeiros em processo de mudança - ao lado dos dois filhos, a jovem Kelly (Mychala Lee) e o pequeno Cameron (Shaun Dixon), e do irmão, Reggie (Chris Bridges, o Ludacris), Brenda está deixando a Califórnia rumo ao Texas para se reestabelecer. Para chegar ao destino, a família terá que cruzar o sudoeste americano, passando por estados conservadores, como Arizona e Novo México, e por locais onde uma família negra não é bem-vinda.
“Fim da Estrada” constrói sua tensão quase de imediato com olhares e comentários por onde os Freeman passam. Após um desentendimento num posto de gasolina, se tornam alvos de comentários de dois caipiras racistas e as coisas saem um pouco do controle. Ao pararem para dormir em um hotel, ouvem uma briga no quarto ao lado e um tiro é disparado. Enfermeira, Brenda se vê na obrigação de ver se há alguma vítima precisando de ajuda. Chegando lá, encontra um homem (que já vimos antes) perto da morte. Reggie, por sua vez, encontra uma mala cheia de dinheiro e acha que seria uma boa ideia levar a mala com a família na viagem, colocando todos na mira de um cartel mexicano de drogas.
O roteiro logo introduz o delegado vivido por Beau Bridges, personagem com função de explicar ao espectador o porquê não é uma boa ideia roubar dinheiro de um violento cartel. O filme então se transforma em um jogo de gato e rato com bons momentos, mas outros que se sustentam demais em ações estúpidas dos personagens.
O texto nos permite conhecer os Freeman antes de introduzir o conflito principal, uma escolha que funciona. Entendemos o drama de Brenda, o distanciamento dos filhos, o luto vivido por eles, e a dinâmica entre a matriarca e Reggie. O roteiro esbarra no didatismo em alguns momentos, como quando Reggie aparece fumando maconha e a irmã comenta “parece que você estava fumando maconha, hein!?”. O peso desse excesso cai sobre o roteiro, mas também pode ser responsabilidade de uma edição às vezes atabalhoada principalmente quando novos elementos entram em cena, com um delay da reação dos personagens àquilo.
Quando o filme definitivamente se coloca em movimento, o ritmo é mantido sempre acelerado, uma escolha que combina com o clima que Shelton busca para seu primeiro longa, um filme meio “Supercine”, que não exige muito do espectador. Esse ritmo, porém, só é possível às custas de muletas do texto, que coloca Brenda em situações inimagináveis e às voltas com personagens unidimensionais em tela apenas para cumprir uma determinada função.
Quando o terceiro ato de “Fim da Estrada” ganha a tela em uma virada que não chega a ser uma grande revelação, mas funciona como surpresa, o filme também desperdiça toda a tensão construída até aquele momento. A narrativa ganha ares de terror slasher e um tom cômico involuntário que torna tudo um pouco constrangedor - é como se nos pedissem para esquecer tudo o que foi trabalhado antes.
Há uma breve recompensa, mas ela nem sequer dialoga esteticamente com o resto da trama. Em seu terceiro ato, “Fim da Estrada” inesperadamente se torna outro filme, o que não é necessariamente ruim, apenas mal-executado.
Dirigido por uma mulher negra e com uma protagonista negra, o filme traz discussão sobre o latente racismo no Sul dos EUA, assim como um breve argumento acerca da inevitabilidade do subemprego para alguns, mas isso tudo é esquecido em determinado ponto. É quando “Fim da Estrada” se torna genérico, um refém da necessidade do entretenimento e de uma trama inofensiva. Poderia ser melhor? É claro que sim, mas isso não o torna um filme ruim, apenas esquecível.
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