Agora em pauta, objeto de lamentos dos poderes estaduais e municipais, a situação do Teatro Carmélia mostra o descaso do poder público com a cultura. O espaço de propriedade da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) não recebia um espetáculo desde 2013, mas era sempre visto como um possível salvador da pátria por produtores culturais e artistas capixabas, mesmo que as chances reais disso acontecer fossem mínimas.
Uma possibilidade plausível era a transformação do espaço na Cidade do Samba, um espaço para as escolas de samba construírem seus carros alegóricos sem pensar na dificuldade posterior de levá-los até o Sambão do Povo, mas a ideia também já havia sido descartada, como disse o secretário de cultura de Vitória, Francisco Grijó, em entrevista aos colegas Gustavo Cheluje e Erik Oakes. Para que isso acontecesse, a prefeitura precisaria ter a cessão a longo prazo do espaço cultural, o que foi rechaçado pela União.
O fato é: o imóvel é de propriedade da União, que, por sua vez, não tem o menor interesse em promover a cultura. Para a atual gestão do país, é melhor deixar um espaço cultural abandonado do que utilizá-lo para fomento às artes. Como os galpões do IBC, em Jardim da Penha, estão localizados em uma área mais valorizada da Capital e, por isso, podem render mais aos cofres do governo, a escolha não foi tão difícil.
A dor não é de perder um espaço cultural que não funcionava há tempos, mas de perder uma esperança. O Carmélia teve papel importantíssimo nos anos 1980, 90 e 2000, quando recebia peças e apresentações nacionais e locais. Os shows do Carmélia são sempre citados como essenciais para a formação de uma cena de música local, uma cena que veio a se consolidar uma década depois - o fomento leva à produção cultural. O espaço também recebeu exibições do Festival de Cinema de Vitória, então Vitória Cine Vídeo, festivais de teatro, exposições...
A atual situação, por mais que tenha ganhado contornos urgentes nos últimos dias, é retrato de uma política de abandono cultural. A parte do teatro estava cedida à Prefeitura de Vitória, mas não era utilizada há sete anos, como mostra a matéria dos colegas Vilmara Fernandes e Fernando Madeira, que fez tristes registros fotográficos no local.
É compreensível que os atuais governantes lamentem a ocupação do Carmélia como depósito de café, pois elimina uma esperança a ser vendida à população, mas vale ressaltar que a situação talvez fosse outra caso o teatro estivesse devidamente ocupado há mais tempo e não fosse uma batata quente jogada de um lado para o outro, do Governo do Estado para a Prefeitura de Vitória.
O “fim” do Teatro Carmélia é mais um capítulo de descaso com a cultura, algo que não vem de hoje, mas que ganha forças na atual gestão nacional. Ainda há tentativas, como transformar o local em patrimônio histórico e cultural, mas é difícil alegar tal importância quando ele já convivia com o abandono. A morte da esperança de ver o espaço novamente em atividade dói, mas dói mais ainda lembrar que ele já era um zumbi há bastante tempo.
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