A fortuna do escritor Harlan Coben está sustentada por um argumento básico: todos têm segredos e um passado. Com o milionário acordo para adaptar 14 obras do escritor como séries na Netflix a todo vapor, a plataforma lançou, na última semana, “Fique Comigo”, adaptação do livro originalmente lançado em 2012 e sexta história do autor a chegar à gigante do streaming.
Os resultados até agora são diversos, dos bons “Não Fale Com Estranhos” e “O Inocente” aos apenas regulares “Safe, “Desaparecido Para Sempre” e “Silêncio na Floresta”. “Fique Comigo” se encaixa na segunda categoria, mas quase inaugura uma categoria própria para as adaptações de Coben, a de séries ruins.
Na série, Cush Jumbo é Megan, uma mãe de família prestes finalmente a se casar com o pai de seus três filhos. Chegando em casa após sua despedida de solteira, encontra um bilhete contendo apenas um nome, Cassie. Logo somos apresentados a recortes do passado de Megan e entendemos o significado daquele nome que carrega com ele outra vida que parece querer voltar para atormentá-la.
Paralelamente, a série também conta as histórias do detetive Broome (James Nesbitt) e do fotógrafo Ray (Richard Armitage). O primeiro às voltas com um desaparecimento que o remete a um caso de 17 anos atrás, já Ray se vê de alguma forma em meio a tudo após ser agredido e ter sua câmera roubada. As histórias são inicialmente desenvolvidas individualmente, mas não demora para que elas obviamente se cruzem quando apontam para a mesma direção, uma casa noturna.
A trama recheada de clichês e talvez a proximidade do lançamento com as outras adaptações de Coben tornam “Fique Comigo” um tanto previsível no que é possível. Como em toda obra com o selo do autor, a minissérie se sustenta sobre viradas e surpresas que nem sempre fazem muito sentido e, por isso, acabam sendo de improvável adivinhação.
“Fique Comigo” tem alguns personagens interessantes, como o trio de protagonistas e alguns coadjuvantes (Harry é ótimo), mas tudo se perde nos diálogos e na importância que o texto dá para arcos secundários. Barbie e Ken (Poppy Gilbert e Hyoie O’Grady, respectivamente), por exemplo, são completamente deslocados na série e destoam do tom da trama. A dupla de assassinos até poderia oferecer algum frescor e uma bem-vinda estranheza, mas são apenas bobos e mal-desenvolvidos - um subtexto religioso é ensaiado para tratar dos personagens, mas é logo esquecido pela narrativa.
Não tendo lido o livro, é difícil saber se os problemas do roteiro estão no material original ou se são problemas da adaptação. Ainda assim, a execução do texto é muitas vezes equivocada, com personagens chegando a conclusões repentinas apenas para movimentar o roteiro - Broome literalmente para durante uma conversa com uma epifania capaz de solucionar todo o caso.
O texto, como é de praxe em obras do gênero, brinca o tempo todo com a expectativa do espectador conduzindo-o para arcos e pistas vazias apenas para gerar uma nova virada adiante. Os ganchos funcionam quase como uma trapaça em “Fique Comigo” - o do segundo episódio, por exemplo, é completamente ignorado pela narrativa até a conclusão da série, seis episódios depois, apenas para causar um impacto antes de os créditos subirem.
A minissérie também tem problemas com suas locações. O livro se passa em Atlantic City, nos EUA, e a série é transportada para Manchester e Blackpool (nunca é citado, mas foram os locais de filmagens), na Inglaterra. Inicialmente até compramos a premissa da série de uma pessoa se esconder, simular sua morte e fingir ter outra vida, mas é difícil continuar com essa crença quando tudo parece tão próximo, com coincidências e encontros inusitados.
“Fique Comigo” sofre com uma montagem fraca, que reforça a sensação de que tudo se passa em uma cidade pequena e entrega algumas cenas mais agitadas quase amadoras. Ainda assim, a série e seu festival de reviravoltas é exatamente o que se espera de uma adaptação de Harlan Coben. É boa? A série tem seus méritos, algumas boas piadas e boas atuações, mas tudo se perde no excesso de viradas e arcos subdesenvolvidos.
Para dar conta desse excesso de personagens e viradas, o último episódio praticamente joga toda a narrativa construída até ali fora para privilegiar a surpresa que ninguém prevê por óbvios motivos de não ter sido desenvolvida até ali. Essa falha é compensada com uma longa explicação de tudo o que aconteceu, com o personagem falando sobre seus atos e a imagem sendo mostrada para que não reste dúvida alguma.
“Fique Comigo”, ao fim, é completamente esquecível e a pior adaptação de uma obra de Coben para a Netflix. É curioso como a série prende apenas pelos ganchos e nunca pela trama em si, culpa do excesso de clichês e da total falta de sutileza do texto - ou talvez a quantidade de tramas do mesmo autor, sempre com o mesmo estilo, em um curto período esteja desgastando a fórmula.
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