Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Força da Natureza", na Netflix, é uma grande perda de tempo

Sucesso na Netflix, "Força da Natureza" tem Mel Gibson como coadjuvante em uma trama policial genérica e descartável

Vitória
Publicado em 05/04/2021 às 19h45
Atualizado em 05/04/2021 às 19h45
Filme
Filme "Força da Natureza". Crédito: Netflix/Divulgação

Por muito tempo houve uma categoria na qual filme nenhum queria ser encaixado: os lançados diretamente para VHS/DVD. O que significava isso? O fato de ser lançado direto nas prateleiras das locadoras significava que nenhuma distribuidora teve coragem/disposição de bancar um lançamento nos cinemas para o filme.

Normalmente eram filmes estrelados por atores que já viveram dias de fama e emprestaram suas credibilidades para projetos menores por um bom troco. Nomes como Steven Seagal, Jean-Claude Van Damme, Cuba Gooding Jr., Wesley Snipes e até Bruce Willis e Nicolas Cage - todo mundo precisa pagar contas, afinal - se tornaram comuns nas prateleiras em filmes menores. Quantos filmes “Soldado Universal” você acha que foram feitos? A resposta é quatro!

Além de empregar atores em decadência e produzir “estrelas” alternativas como Michael Jai White e Scott Adkins, os filmes direto para VHS/DVD também serviram para empregar os “cancelados” pela indústria, atores como Mel Gibson. Deixado de lado por Hollywood após diversas declarações anti-semitas, casos de homofobia, violência doméstica, o ator esteve em filmes menores nos últimos anos, alguns interessantes como “Boss Level”, “Justiça Brutal” e “Um Novo Despertar”, e teve destaque como diretor do bom “Até o Último Homem”, indicado ao Oscar em 2017, mas viu sua carreira como ator estagnar.

Mesmo sem ser o protagonista do filme, Mel Gibson é o principal chamariz de “Força da Natureza”, policial lançado pela Netflix - sem as locadoras, os serviços de streaming se tornaram as novas plataformas de lançamento para filmes que antes não encontrariam as telas dos cinemas. O curioso é que a popularidade dos serviços e seus algoritmos de certa forma igualam as obras, ou seja, “Força da Natureza” tem o mesmo alcance, ou talvez um alcance até maior, do que filmes como “Mank” e “Os 7 de Chicago”, apostas da Netflix para o Oscar.

Voltando ao filme, “Força da Natureza” é uma obra que dificilmente se tornaria popular em outro momento. Dirigido por Michael Polish e escrito por Cory M. Miller, o filme ainda conta com dois outros atores que já tiveram melhores momentos em Hollywood: Emile Hirsch (“Na Natureza Selvagem”, “Speed Racer”) e Kate Bosworth (“Superman: O Retorno”).

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Filme "Força da Natureza". Crédito: Netflix/Divulgação

A trama acompanha o policial Cardillo (Hirsch) e sua nova parceira, Jess Pena (a estrela pop peruana Stephanie Cayo) em uma missão de resgate nos momentos que antecedem a chegada de um grande furacão a Porto Rico. Após algumas estranhas coincidências, os dois chegam ao prédio em que toda a ação se desenvolverá. Acontece que o local é alvo de um grupo de violentos bandidos atrás de obras de arte roubadas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial.

Um dos moradores do prédio é o policial aposentado Ray (Mel Gibson), uma espécie de Martin Riggs, de “Máquina Mortífera”, da terceira idade. Ao lado da filha, a médica Troy (Bosworth), Ray acaba se envolvendo na ação ao lado dos policiais contra os assaltantes.

“Força da Natureza” sofre muito com seu roteiro. O texto abraça todos os clichês possíveis de filmes policiais e nem sequer se preocupa em convencer a audiência de que aquilo é possível. O bando comandado por John (David Zayas) invade um banco e assassina inocentes sem e menor remorso e sem se preocupar com câmeras - saem pela porta da frente após o crime sem serem incomodados por policiais ou seguranças. Ainda, o fio que liga as tramas paralelas, o furacão, é aproveitado apenas para confinar a ação no prédio, tornando o filme mais barato e ainda fazendo referência ao clássico “Duro de Matar”, mas cada um tem o Nakatomi Plaza que merece.

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Filme "Força da Natureza". Crédito: Netflix/Divulgação

O péssimo roteiro esconde o fato de Michael Polish filmar bem, com bons enquadramentos e boas sequências de ação, mas as escolhas do texto atrapalham muito o diretor. Os acontecimentos que levaram Cardillo até aquele ponto da carreira e todo o desenvolvimento do personagem são risíveis, assim como sua conduta policial no início do filme e seus inevitáveis momentos de flerte com Troy. O arco das obras roubadas faz com que um personagem tenha que responder à pergunta “então você é nazista?” por mais de uma vez, sempre na maior normalidade e sem grandes consequências. Há também o que leva os policiais ao prédio, um homem preso por se envolver em uma discussão no supermercado ao comprar toda carna disponível para alimentar seu animal de estimação…

“Força da Natureza” ironicamente, mesmo sendo um filme B, poderia ser bem melhor com os mesmos clichês e as mesmas atuações de qualidade questionável se tivesse um roteiro apenas um pouco mais coeso. Falta cuidado ao filme de Michael Polish, que sofre com erros de continuidade e de contextualização, mas falta principalmente refinamento ao roteiro de Cory M. Miller, que escreve aqui seu primeiro longa-metragem.

Ao fim, “Força da Natureza” é uma grande bobagem, um filme que nem sequer teria destaque se não fosse pelo lançamento na Netflix e pela credibilidade ainda que desgastada de Mel Gibson no cartaz - pouco importa para a divulgação se ele tem pouquíssimo tempo de tela. Quando o espectador perceber isso, já será tarde demais.

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