O diretor Aneesh Chaganty tinha uma ideia clara para realizar “Fuja”: queria uma atriz que utilizasse cadeira de rodas no dia a dia, e não uma pessoa que fingisse ter as pernas paralisadas. Sem revelar quantas atrizes foram entrevistadas antes de chegar a Kiera Allen, o diretor conta que várias delas fingiam deficiência para serem aprovadas - nada que uma busca pelo Instagram não desmentisse com facilidade. Mas por que isso é tão importante? Em “Fuja”, que chega nesta sexta (2) à Netflix, a condição de Chloe (Kiera Allen) é parte essencial não apenas do roteiro, mas da tensão construída pelo roteiro do filme realizado pelo diretor do ótimo “Buscando” (2018).
“Fuja” tem início com um parto. Acompanhamos Diane Sherman (Sarah Paulson) dando à luz a uma criança frágil. Logo em seguida surge em tela a grande lista de problemas de saúde da filha de Diane. Assim, surpreende quando, após essa introdução, somos levados anos adiante, com Chloe às vésperas de ingressar na universidade e Diane lidando bem com isso. Na primeira cena pós-introdução, ela se mostra quase aliviada com a novidade em uma reunião na qual o diretor não mostra o rosto das participantes, apenas outros detalhes como uma caixa de lenços de papel sendo passada de mãe para mãe.
“Fuja” tem início como um drama que vai se transformando em um bom suspense. Por isso, qualquer informação sobre uma ou outra virada do roteiro pode ser considerado um spoiler. O texto é muito eficaz em construir Chloe a partir de suas capacidades do que de suas limitações, que se tornaram parte da rotina da jovem.
O roteiro de Chaganty e Sev Ohanian (também de “Buscando”) é ágil o suficiente na construção da tensão e nos detalhes que apresenta sem que o espectador perceba. Eles estão espalhados pelo texto e pelo ambiente do filme desde que reencontramos Chloe e Diane após o prólogo. A casa é isolada, distante de tudo, Chloe estuda sozinha, com a ajuda da mãe, uma professora, não a vemos usando telefone ou computadores, algo quase impossível para jovens de sua idade. Seu único contato com o mundo externo são algumas saídas com a mãe e a chegada do carteiro.
Esses detalhes que inicialmente parecem normais vão se transformando em pistas do que vem a seguir. “Fuja” é um filme de boas surpresas e viradas que sutilmente são acompanhadas pelas câmeras e pelo enquadramento - o ambiente de Chloe, que antes parecia um porto seguro, se torna opressor, mais escuro e de poucas saídas.
Quando chega, a virada não pega o espectador de surpresa, mas transforma o filme em um eficaz thriller psicológico potencializado pela condição de sua protagonista. As atuações de Sarah Paulson e Kiera Allen são espetaculares e garantem o tom desejado pelo diretor. Diane é construída como uma mulher amorosa e cuidadosa com a filha, já Allen vive uma jovem decidida a ir além de suas limitações, o que fica muito claro na cena que abre o terceiro ato.
Em seu ato final, vale dizer, “Fuja” abraça a influência de Stephen King e Alfred Hitchcock ao invés de se enveredar pelo drama sobre as limitações físicas que servem apenas como característica intrínseca da protagonista, não como conflito.
“Fuja” dá umas derrapadas quando se aproxima do fim, com algumas soluções construídas apenas para garantir a tensão do arco final, mas a conclusão ainda assim é satisfatória. É em seu epílogo, porém, que o filme brilha, com uma dose de sadismo e crueldade que o espectador não sabia precisar, mas que o roteiro entrega de forma brilhante.
O lançamento da Netflix, originalmente lançado pelo Hulu nos EUA, é um filme simples e pequeno, mas extremamente bem editado e com atuações seguras. Em seu segundo filme, Aneesh Chagantai mostra ser um nome interessante na indústria, um diretor a ser acompanhado de perto. Ele constrói “Fuja” quase como o oposto de “Buscando”, mas desperta no espectador a mesma sensação nos dois filmes.
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