Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Ginny & Georgia", da Netflix, é boa mistura de crime, amor e amizade

Vendida como uma espécie de "Gilmore Girls", "Ginny & Georgia" vai além. Série da Netflix mistura gêneros em trama divertida, mas superficial

Vitória
Publicado em 25/02/2021 às 19h43
Atualizado em 25/02/2021 às 19h43
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Série "Ginny & Georgia", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Antes de se tornarem um grande fenômeno mundial, as séries tinham características peculiares. As tramas de TV aberta, para pegar o público que as assistia apenas esporadicamente, tinham episódios com arcos fechados, início, meio e fim - a trama principal era apenas um pano de fundo e desenvolvida em poucos episódios das enormes temporadas. As séries de TV fechada, no entanto, eram diferentes; não é à toa que o slogan da HBO era “Não é TV, é HBO”. Os criadores aproveitavam a liberdade narrativa para criar histórias longas que arcos que se arrastavam pelos episódios da temporada, que tinha metade do tamanho das da TV aberta. Obviamente afastava o espectador eventual, mas, em contrapartida, fidelizava aquele que acompanhava a história.

As coisas mudaram desde então. As plataformas de streaming popularizaram as séries mundo afora e inovaram também em sua linguagem. “Ginny & Georgia”, disponível na Netflix, é exemplo disso e do tão falado “algoritmo da Netflix”. A série criada por Sarah Lampert traz elementos de diversas narrativas de sucesso e tem resultado mistos com uma temporada curta e uma trama principal bem definida, mas também com elementos procedurais em cada episódio.

Logo nos primeiros momentos, uma referência fica clara: “Somos como as Gilmore Girls, mas com peitos maiores”, diz Georgia (Brianna Howey). Quando a conhecemos, ela está se mudando para a pequena Wellsbury com a filha Ginny (Antonia Gentry) e o filho Austin (Diesel La Torraca) após a morte do marido.

É fácil, a princípio, comparar a relação de mãe e filha que dão nome à série à de Lorelai e Rory Gilmore, afinal Ginny nasceu quando Georgia tinha 15 anos. As comparações com “Gilmore Girls”, no entanto, não vão muito longe. Logo, “Ginny & Georgia” apresenta novas camadas - Georgia tem um passado misterioso e muito perigoso que logo passa a persegui-la. Neste ponto, a série mais lembra histórias como “Good Girls” e até “Ozark”.

“Ginny & Georgia”, apesar desse arco de crime e thriller, funciona melhor como uma série adolescente. Na nova cidade, Ginny conhece Maxine (Sara Waisglass) e logo forma um grupo de amigas. Não demora também para surgirem dois interesses amorosos na vida de jovem, Marcus (Felix Mallard), irmão de Maxine, e Hunter (Mason Temple).

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Série "Ginny & Georgia", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Durante boa parte dos 10 episódios da primeira temporada, a série separa bem os dois arcos narrativos, alternando, inclusive, a narradora. “Ginny & Georgia” usa flashbacks para que conheçamos melhor o passado de Georgia, mas os utiliza também para deixar bem explicadinhas as suas motivações. Assim, quando ela faz algo reprovável, logo somos levados a seu passado para uma cena que "justifica" aquele comportamento.

“Ginny & Georgia” é uma série na qual as coisas parecem simplesmente acontecer para as protagonistas. O formato narrativo semi-procedural coloca conflitos em cada episódio e logo os soluciona dando espaço para o próximo; sempre há um para mãe e outro para a filha. A escolha  dá dinamismo aos episódios, mas também faz com que eles às vezes acabem não movimentando muito a trama principal.

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Série "Ginny & Georgia", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

A série é melhor quando investe em Ginny e suas descobertas. Filha da mãe branca e pai negro, a jovem não se encaixa em nenhum padrão, “branca demais para ser negra e negra demais para ser branca”, define. Esse sentimento de não-pertencimento permeou toda sua vida, e, por isso, pela primeira vez ela se sente em casa. Mesmo assim, tanto ela quanto suas amigas lidam com questões como a descoberta da sexualidade e os já citados triângulos amorosos. Criada e dirigida por mulheres, a série entende bem as angústias das adolescentes.

O roteiro aborda também algumas questões mais sérias como depressão, mas pouco se aprofunda. É curioso que, em determinado momento, o texto dá uma alfinetada em “Game of Thrones” ao dizer que estupro não é desenvolvimento de caráter, mas acaba caindo na própria armadilha ao usar a automutilação como modo de dar “profundidade” a algumas personagens.

“Ginny & Georgia” é uma série fácil justamente por evitar o baque e solucionar tudo com rapidez. O problema é que isso também faz dela uma série rasa e ainda sem identidade própria. Há algo sombrio em Georgia, mas somos levados a gostar dela torcendo contra os que querem desvendar seu passado. Brianna Howey está ótima como a matriarca capaz de tudo por seus filhos, uma mulher marcada pela vida, que fez escolhas um tanto questionáveis e quer evitar que seus filhos precisem fazê-las.

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Série "Ginny & Georgia", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

O roteiro também faz escolhas questionáveis, com uma série de coincidências gratuitas que acabam não fazendo muito sentido pelo menos nessa primeira temporada - uma delas tem potencial para ser explorada adiante. Em vários momentos os personagens não são muito espertos, mas suas escolhas têm pouco peso, pois voltamos ao problema da fácil resolução de conflitos.

Ao fim, “Ginny & Georgia” é uma grande e eficaz mistura de gêneros. A nova série da Netflix, mesmo com suas camadas de thriller, é, em sua essência, uma trama sobre amizade, maternidade, amadurecimento e escolhas. O que incomoda na série de Sarah Lampert é que, ao final da temporada, mesmo com tudo o que foi apresentado nas quase 10 horas de narrativa, pouco do que foi inicialmente proposto pelo texto foi solucionado, ou seja, a trama perde tempo solucionando os microconflitos que cria e se esquece de seu arco principal.

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