Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Glamorous", da Netflix, é razoável, mas não entende seu público

Série estrelada por Kim Cattrall mergulha na indústria da beleza com representatividade e estilo, mas se esquece de criar uma identidade própria

Vitória
Publicado em 22/06/2023 às 21h09
Série
Série "Glamorous", da Netflix, mostra a rotina da indústria de beleza. Crédito: Amanda Matlovich/Netflix

O nome de Kim Cattrall ganhou destaque nas últimas semanas por sua ainda inédita participação na segunda temporada de “And Just Like That…” como Samantha. Tanto se fala na volta da adorada personagem ao universo de “Sex And the City” que o lançamento de “Glamorous”, série estrelada por Cattrall na Netflix, pode até se aproveitar do hype – poderia, se fosse um produto mais interessante.

Em dez episódios de 45 minutos cada, “Glamorous” é uma trama que mistura jornada de amadurecimento com drama de escritório. A série acompanha Marco (Miss Benny, de “Love, Victor”), um jovem “queer” obcecado por maquiagem que sonha em ser um influenciador (mesmo que ainda tenha poucos seguidores), mas trabalha realmente como vendedor de uma loja de produtos de beleza. Um dia, a poderosa Madolyn Addison (Cattrall), dona de um império de maquiagem, cruza seu caminho e, após uma breve conversa, oferece a ele um emprego como assistente. Tudo isso se passa em menos de oito minutos, servindo apenas como uma introdução à série.

Criada por Jordon Nardino como um projeto para o canal CW com Miss Benny e Brooke Shields (que obviamente não vingou), “Glamorous” faz a escolha segura por um conflito geracional. A empresa de Madolyn é conservadora, pouco ousada, e já não se faz tão relevante em um público mais jovem, que consome menos o que lhes é empurrado. O problema é que Nardino e seu time de roteiristas parecem não entender a geração Z, resumindo Marco a uma androginia e a uma resistência a ter um “emprego de verdade”. Ainda, o texto traz referências que seu suposto público alvo dificilmente entenderia, fazendo de Marco apenas um chamariz artificial para a geração oriunda do TikTok, e não como o centro de uma jornada de autoconhecimento e descobertas.

Inicialmente interessante, Marco acaba subdesenvolvido pelo texto que deveria “ser seu”. É interessante como isso mostra um olhar superficial dos roteiristas para uma geração a qual não pertencem, mas sobre a qual leram um ou dois artigos em algum jornalão. O protagonista de “Glamorous” acaba resumido a frases de efeito em seus vídeos para o TikTok. Essa opção narrativa funciona durante a apresentação do personagem, mas se torna frustrante ao longo de dez episódios.

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Série "Glamorous", da Netflix, mostra a rotina da indústria de beleza. Crédito: Amanda Matlovich/Netflix

Como drama de trabalho, a série parece não entender como é, de fato, trabalhar. Sim, é óbvio que estamos diante de uma ficção, mas o roteiro limita o ambiente de trabalho a rivalidades e flertes. A referência mais óbvia é um desejo de ser “O Diabo Veste Prada”, mas com uma dinâmica bem diferente da apresentada pelo filme estrelado por Meryl Streep e Anne Hathaway. “Glamorous” faz questão de nunca retratar Cattrall como uma antagonista, pelo contrário, sua Madolyn representa a vontade pela transformação, a aceitação das mudanças trazidas pelo tempo. Assim, a série deixa o antagonismo de Marco para a dupla Chad (Zane Phillips), o filho pouco talentoso de Madolyn, e Venetia (Jade Payton), assistente com medo de perder o emprego para o protagonista.

“Glamorous” pega emprestado de “Emily em Paris”, um sucesso da Netflix, um clima meio fantasioso e uma narrativa quase etérea, mas há também influências óbvias de séries como “Glee” na ambientação (tirando os números musicais). Ainda, a excessiva utilização de “flares’ em ambientes fechados, como salas de escritórios ou de reuniões, remete diretamente ao trabalho de J. J. Abrams, uma referência meio inesperada, mas incômoda e desnecessária.

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Série "Glamorous", da Netflix, mostra a rotina da indústria de beleza. Crédito: Amanda Matlovich/Netflix

Apesar das críticas acima, nem tudo em “Glamorous” é ruim. Miss Benny funciona como Marco e suas trocas com outros funcionários e/ou interesses românticos é boa. Mesmo superficial, o roteiro traz algumas boas ideias quando brinca com as caricaturas do mundo corporativo e, principalmente, do universo de beleza. Há bons personagens, como Britt (Ayesha Harris) e Ben (Michael Hsu Rosen), que têm trocas rápidas de provocações, e Julia (Diana Maria Riva), mãe de Marco e um contrapeso ao universo de deslumbre criado pela série. Neste cenário, ironicamente é Madolyn (e uma subutilizada Kim Cattrall) que perde espaço para os jovens atores e personagens.

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Série "Glamorous", da Netflix, mostra a rotina da indústria de beleza. Crédito: Amanda Matlovich/Netflix

Ao fim, a série não é ruim, apenas tem dificuldade de se destacar em meio a tanta oferta de conteúdo. A “nova série de Kim Cattrall” tem bons momentos, algumas boas piadas e uma importante representatividade, mas nunca engrena. Apesar de ter um ótimo protagonista em Marco, a série parece não saber explorá-lo e nem sequer se esforça para entender sua geração, seu universo. Para uma obra que tanto fala em inspiração e autenticidade, “Glamorous” peca pela falta de ambas.

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