É sempre difícil escrever sobre uma série como “A Sogra que te Pariu”, da Netflix. Escrita, estrelada e comandada por Rodrigo Sant’Anna, a série carrega um estilo de humor consagrado no Brasil com “Sai de Baixo” e consolidado com as séries do Multishow, mas também um estilo que não funciona com um público mais jovem cujas opiniões fazem barulho em redes sociais mundo afora.
Ainda assim, a primeira temporada foi um sucesso, somando mais de 11 milhões de horas assistidas em todo mundo, número excelente para uma série de episódios curtos, e garantiu logo uma renovação. Fãs de séries canceladas pela plataforma (são muitas) ficaram revoltados: “como assim minha série foi cancelada e ‘A Sogra que Te Pariu’ vai ter mais temporadas?”. A verdade é que não são as bolhas ou o burburinho de internet que garantem a renovação, mas um público mais amplo, que provavelmente atinge muita gente que nem sequer sabe como é o funcionamento do Twitter. A Netflix, afinal, há muito tempo não é um “segredo” só seu.
Gravada em momentos ainda de distanciamento social e com protocolos rigorosos de saúde (basta ver as fotos da produção), a primeira temporada de “A Sogra que Te Pariu” era bem restrita ao palco e aos atores. O segundo ano da série amplia seu escopo, traz boas participações especiais (Dani Calabresa, Luciana Gimenez, Pequena Lo, entre outros), e dá sequência aos acontecimentos dos episódios anteriores. Após problemas com a justiça, Dona Isadir (Rodrigo Sant’Anna) passou um período na prisão, onde teve uma vivência “intensa”, aprendeu alguns golpes e fez algumas amizades. Ela cumpriu a pena e agora está de volta à casa do filho, Carlos (Rafael Zulu), e da nora, Alice (Lidi Lisboa), com a missão/desculpa de ajudar a cuidar do novo neto.
A nova temporada traz algumas cenas externas que pouco acrescentam à trama, mas oferecem variedade e uma quebra nos cenários já conhecidos (as cenas gravadas longe do palco eram exibidas ao público que acompanhava as gravações ao vivo). Assim, nos episódios liberados para a imprensa, há breves cenas na prisão, em carros e em algumas em feiras do subúrbio que dão à série um ar de produção maior, mas sem exageros.
“A Sogra que Te Pariu”, em sua essência, é o humor brasileiro de TV aberta, estilo que consagrou Rodrigo Sant’Anna, ou seja, piadas exageradas, trocadilhos nem sempre de muito bom gosto, comédia física e, principalmente, popular. Cria do Morro do Macaco e tendo vivido 30 anos em subúrbios do Rio de Janeiro, Rodrigo entende essas realidades, mas nunca as trata com dor - há quase um encanto no olhar do ator/criador para essas pessoas e suas histórias, e talvez seja esse carinho o tempero da série.
O texto segue a história da família suburbana que ganhou dinheiro e foi morar em uma mansão na Barra da Tijuca. A presença de Dona Isadir é a quebra dessa construção, dessa fachada de elite mantida principalmente por Alice. Ao contrário da mãe, os adolescentes Márcia (Bárbara Sut) e Jonas (o ótimo Pedro Ottoni) buscam algo mais real, quase uma reconexão com a história da família. Em meio a tudo isso, Carlos fica perdido, mas funciona como escada para a maior parte das piadas do roteiro.
Fica novamente a crítica à Netflix por liberar apenas três episódios para a imprensa antes da estreia, pois, mesmo escrachada e muito pouco sutil, “A Sogra que Te Pariu” é uma série que cresce enquanto você se acostuma com o estilo dela, com a verborragia, os estereótipos e gente gritando. Mesmo quem não é um consumidor do estilo acaba se divertindo com os notáveis improvisos do elenco, com atores rindo em cena e com a sempre ótima dinâmica de Rodrigo e Solange Teixeira, que parecem nascidos para atuar juntos nesse tipo de texto.
É interessante como Rodrigo Sant’Anna leva para o mundo a sua visão de Brasil. As figuras de suas obras sempre existiram em novelas, filmes e séries nacionais, mas normalmente em segundo plano. Em “A Sogra que Te Pariu”, ele a coloca no holofote pessoas que durante muito tempo não tiveram voz na dramaturgia brasileira para contar suas histórias - serviam de alívio cômico, de muleta para movimentar o roteiro, mas nunca eram protagonistas.
Assim, longe de ser panfletário e interessado no riso, Rodrigo Sant’Anna coloca na casa do espectador uma comédia protagonizada por uma família negra, com liberdade sexual, drogas e arcos normalmente explorados como secundários. Já renovada para uma terceira temporada, “A Sogra que Te Pariu” dificilmente vai ganhar novos espectadores com os novos episódios, mas com certeza vai voltar a divertir quem gostou das confusões da família de Dona Isadir e seus agregados.
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