Em “Granizo”, sucesso argentino da Netflix, Miguel Flores (Guillermo Francella, de “Minha Obra-Prima”) é uma celebridade, o meteorologista mais famoso da Argentina, um sujeito querido na vizinhança, atencioso, sempre disposto a conversar com todos e a falar sobre a previsão do tempo que ele nunca errou em 20 anos. Na madrugada após o dia em que sua carreira chega ao ápice, com a estreia de um programa no horário nobre da TV, o mais temido acontece: Miguel erra a previsão e uma chuva de granizo atinge a capital portenha.
Ao acordar após uma boa noite de sono, Miguel percebe que errou pela primeira vez em sua carreira e que deixou de ser o queridinho de Buenos Aires para se tornar um pária; Miguel foi cancelado, os vizinhos que outrora pediam fotos passaram a ameaçá-lo. Miguei foi cancelado por toda cidade e não encontra outra solução senão se exilar em Córdoba, sua cidade natal e onde ainda mora sua filha, Carla (Romina Fernandes), com quem não tem a melhor das relações.
Em seu ato inicial, “Granizo” se mostra plenamente ciente de seus ridículos e exageros, a começar por um programa diário de meteorologia no horário nobre da TV. O recurso narrativo funciona como piadas de rede social sobre a problematização exagerada do Twitter, por exemplo.
Para tentar se afastar um pouco do exagero e trazer o drama sofrido pela população com o erro de Miguel, o texto insere também um arco para Luis (Peto Menahem), um taxista que confia cegamente no meteorologista celebridade e, por isso, não guarda seu carro na garagem no dia da tempestade de granizo. Após ter seu carro destruído e descobrir que seu seguro não cobre granizo, ele parte em busca de Miguel para um acerto de contas.
“Granizo” é um filme curioso, com um roteiro cheio de inconsistências e muletas, mas que, ao fim, ainda consegue entregar um bom filme. Boa parte do segundo ato é ocupado com o drama familiar do protagonista se reaproximando da filha - há momentos interessantes e um diálogo emocionante que abre Miguel para o espectador, mas todo o arco parece atropelado e a reaproximação, repentina.
Ainda, o roteiro traz uma virada repentina e fantasiosa para iniciar o terceiro ato, exigindo uma total suspensão da descrença de seu público; já não faz mais sentido se perguntar o que aconteceu ou como aconteceu, mas aceitar ser daquela forma, mais ou menos como a vaca caindo do céu no ótimo “Um Conto Chinês” de Sebastián Borensztein.
Em meio às inconsistências, Guillermo Francella é quem segura o encanto do filme e a surpreendente tensão nos minutos finais. O ator portenho faz graça naturalmente, sem se esforçar, garantindo o lado cômico de “Granizo”. Mesmo quando está deslumbrado pela fama, Miguel continua adorável com todos que o cerca - é por isso também que seu arco com Carla funciona apesar do texto não ajudar. O que teria acontecido para aquele sujeito tão querido se afastar da filha?
Sem se levar a sério em momento algum, “Granizo” agrada por brincar com uma narrativa que todos parecem levar a sério. O erro de Miguel parece o fim do mundo para toda a Buenos Aires, algo imperdoável, e isso diverte justamente por ninguém levar a previsão do tempo tão a sério assim. Essa crítica à “cultura do cancelamento” não é sutil e tampouco uma novidade, mas, ao ridicularizá-la, traz questões acerca de todas as potencializações das redes sociais em uma época que qualquer tropeço (ou algo que julguem ser um tropeço) gera uma raiva desmotivada e às vezes até ensaiada.
“Granizo” é um filme repleto de exageros, com um texto repleto de absurdos que lembram obras de realismo fantástico. O filme falha como o melodrama que se propõe a ser no segundo ato e também como uma jornada de autoconhecimento de seu protagonista, mas ainda assim entrega algo que o cinema argentino faz como poucos no mundo: a dramédia de relevância social e capaz de emocionar.
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