Quando foi a última vez que você viu Tom Hanks interpretar algum personagem de caráter duvidoso ou um vilão em seus filmes? Não é coincidência. Hanks, há anos estabelecidos como um dos grandes atores da indústria, escolhe seus papéis a dedo e se preocupa que alguma escolha errada possa prejudicar a imagem de boa praça que conquistou após décadas sendo um dos caras mais legais de Hollywood. “Greyhound: Na Mira do Inimigo”, lançado pelo AppleTV+, é mais um filme para reforçar essa imagem.
Com roteiro escrito por Hanks baseado no livro “O Bom Pastor”, de C. S. Forester (1889 - 1966), o filme dirigido por Aaron Schneider (do bom “Segredos de um Funeral”) acompanha um trecho fictício da Batalha do Atlântico travada durante a Segunda Guerra, quando forças Aliadas tentavam cruzar o Oceano Atlântico com suprimentos para as tropas, mas eram interceptados pelos temidos submarinos alemães U-Boat.
Hanks vive o Capitão Krause, um veterano militar que finalmente recebe o comando de um grande destróier. Em sua primeira travessia, o comboio de 37 navios é cercado por um pequeno número de submarinos que ataca como uma matilha de lobos, à noite, praticamente impossibilitando uma resposta dos navios. Tem início então um grande jogo de gato e rato entre o capitão e os submarinos alemães.
“Greyhound” é um filme construído pela tensão, pois não há pirotecnias habituais de filmes de guerra e tampouco oferece ambientes diversos. O espectador permanece durante pouco mais de 90 minutos assistindo ao protagonista, que raramente deixa a tela ou a cabine de comando. Assim, acompanhamos Krause durante os momentos críticos da batalha e sentimos o peso em seu semblante a cada navio atacado pelos alemães - a missão de do destróier de Krause, afinal, é a proteção dessas embarcações.
Mesmo sem cenas de ação grandiosas, o filme tem níveis elevados de adrenalina. A narrativa coloca o público no papel de espectador da guerra, como se estivéssemos acompanhando a rotina de um navio de guerra. O roteiro e o diretor fazem bons trabalhos ao registrar a urgência do conflito com muitos gritos de ordens e instruções, suspense a cada notificação nova no radar e tensos momentos de silêncio que antecedem os ataques ou suas consequências.
Assim como o bom “Até o Útimo Homem” (2016), de Mel Gibson, “Greyhound” constrói um protagonista que se destaca por sua fé - o nome do livro em que se baseia, “O Bom Pastor”, já dá indícios dessa construção. Mesmo sem um discurso religioso claro que interfira diretamente na narrativa, escolha que funciona como premissa do filme de Gibson, o roteiro constrói Krause como um homem religioso para quem toda vida importa. O recurso funciona durante boa parte do filme, quando dividimos com Krause o peso das escolhas e a dor gerada por suas consequências, mas também gera um conforto narrativo que talvez não funcione para todos.
Dessa forma, é até estranho que o texto nem sequer tente desenvolver nenhum dos personagens; é bem verdade que não há tempo disponível para isso, pois, para manter a urgência do conflito, o filme é curto. Sobre Krause, sabemos de sua religião e de uma lembrança de uma mulher… e só - sua inexperiência no comando de uma navio de guerra nunca é abordada ou utilizada como conflito pelo roteiro. Assim, nos importamos pouco com o protagonista ou qualquer outro tripulante. Talvez seja justamente por isso que as únicas “aparições” de soldados alemães durante o filme sejam tão caricatas e maniqueístas, para tentar fazer com que torçamos para os Aliados, como se lutar contra Hitler não fosse o bastante.
“Greyhound” chegou a ser cotado para o Oscar 2021, uma premiação provavelmente atípica, mas é difícil que tenha forças para chegar lá. Apesar de Tom Hanks e da temática, o filme é superficial e prefere apostar na adrenalina (que funciona) a investir no drama humano. O filme funciona como uma obra de ação diferente, mais tensa e menos agitada, mas pouco desperta emoções além da adrenalina no espectador.
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