Os grandes conflitos mundiais geram inevitáveis transformações sociais. “Guerreiras” minissérie francesa lançada pela Netflix, se passa em 1914, um mês após a França ingressar na Primeira Guerra Mundial, conflito que se mostrava cada vez mais violento e que requeria cada vez mais soldados no front para impedia a invasão alemã a Paris. Com os homens convocados para a luta, as mulheres se tornaram maioria nas cidades e passaram a ocupar postos antes impossíveis.
É neste cenário e na pequena cidade de Saint-Paulin que conhecemos as quatro protagonistas da série: Marguerite (Audrey Fleurot), uma misteriosa prostituta obviamente em busca de algo; Caroline (Sofia Essaïdi), uma mulher que assume a fábrica de caminhões do marido; Agnes (Julie De Bona), a madre superiora de um convento que funciona como hospital para os feridos em batalhas; e Suzanne (Camille Lou), uma enfermeira feminista e à frente de seu tempo. Inicialmente as conhecemos sozinhas, cada uma com seu arco, mas não demora para que o caminho delas se cruze, com relações novas e antigas.
Em oito episódios de cerca de 50 minutos cada, “Guerreiras” tem ótimo início, mas perde ritmo antes de reencontrar sua força no final. O primeiro episódio é ágil, forte e introduz as personagens sem exposição e em meio à Guerra - chega a ser até impactante a maneira como algumas sequências reforçam o peso da guerra, como na chegada de soldados alemães a uma fazenda.
“Guerreiras” não é uma série que vai mostrar mulheres pegando em armas e salvando o dia, mas uma narrativa sobre as batalhas travadas por elas enquanto homens decidem seus destinos. Com forte dose de melodrama, o texto não é sutil em seus conflitos e constrói alguns deles de maneira bem novelesca, como o de Suzanne e o paciente misterioso no convento.
O roteiro é bem melhor, porém, quando trata da maneira como personagens enxergam a guerra e sobrevivem a ela. As batalhas não têm tanto tempo de tela, mas servem sempre como estofo para a história das quatro mulheres que têm que lidar com toda a transformação social. A série lida com a opressão em diversos aspectos, da profissional do sexo à empresária que tenta salvar o negócio da família, meio que a contragosto dos familiares, todas as mulheres têm em comum o fato de serem, de certa forma, subjugadas.
É interessante perceber como os homens são retratados na série criada por Cécile Lorne. Por mais que esbanjem arrogância e poder com suas armas e postos que, acreditam, pode salvar o mundo, são quase todos falhos, fracos e insensíveis. É neste ponto que “Guerreiras” distingue as características de seus homens e suas mulheres; os homens buscam conflitos, buscam dinheiro, mas se perdem na ânsia de mostrar quem é mais poderoso. Já as mulheres trabalham em conjunto, se ajudam e se preocupam em ajudar a salvar vidas colocadas em riscos pelos homens e seus egos.
“Guerreiras” tem uma trama geral de boa carga dramática, mas falha no desenvolvimento de seus dramas individuais. Todas as quatro protagonistas têm conexões e arcos que vão se revelando ao longo da série, mas, mesmo que torçamos por elas, nenhum desses dramas convence. Há segredos, um amor impossível, drama familiar e conflitos religiosos que humanizam as personagens, transformando-as em pessoas “comuns”, e talvez seja justamente essa a intenção da série, mostrar o quanto todos podem fazer a diferença.
Além do quarteto de protagonista, há poucos personagens que ganham algum desenvolvimento, e isso faz falta no cenário completo. Marcel (Yannick Choirat), o dono do bordel em que Marguerite trabalha, é apresentado como um vilão, um sujeito ameaçador, mas tem uma mudança repentina que nunca é trabalhada pelo roteiro. Da mesma forma, nunca entendemos ao certo qual a relação dele com as outras pessoas da casa, principalmente com a jovem que aparenta ter uma dependência afetiva dele.
Ao fim, principalmente se a série for assistida muitos episódios por vez, “Guerreiras” deixa a impressão de que poderia ser um ótimo filme, mas isso é um problema mais da maneira como foi lançada do que do texto em si. Apesar de ser apenas correta tecnicamente e sofrer com a câmera em algumas cenas, a minissérie funciona bem ao conectar as quatro histórias em um grande arco de resistência social sem nunca ser, de fato, panfletária.
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