“Tenho que ser uma condenada onde quer que eu vá?”, questiona Ruth (Sandra Bullock), quando perguntada por seu agente de condicional se havia dito a um homem de quem se aproximara se havia cumprido pena. “Imperdoável”, que chega nesta sexta (10) à Netflix, carrega essa questão já em seu título. O quê, afinal, seria tão imperdoável no texto escrito a seis mãos por Peter Craig, Hillary Seitz e Courtenay Miles?
Dirigido por Nora Finscheidt (do ótimo “System Crasher”, disponível no Telecine), o filme estrelado por Sandra Bullock acompanha Ruth, uma ex-presidiária em seus primeiros momentos fora do cárcere. Duas décadas se passaram e Ruth agora tenta retomar sua vida, mas quer saber como está sua irmã, que era muito pequena quando tudo aconteceu e de quem não teve notícias nos 20 anos que esteve presa. O problema é que a sociedade não é fácil para ex-presidiários e as cicatrizes de seus atos ainda estão vivas por lá.
“Imperdoável”, tal qual este texto, não entrega de cara o que aconteceu com Ruth. Enquanto vamos acompanhado-a entre empregos e relações, montamos o quebra-cabeças do que aconteceu naquele fatídico dia e entendemos o peso carregado pela protagonista. Adaptada de uma série britânica, “Imperdoável” entrega um bom cenário para seu drama, mas acaba sabotado por algumas escolhas de seu roteiro.
Sandra Bullock vive uma Ruth quieta e antissocial, uma mulher que carrega um fardo e se protege em uma bolha criada por ela mesmo - a atriz praticamente não sorri durante as duas horas de filme e não permite à personagem um momento sequer de vaidade. Toda essa caracterização acaba contrastando com algumas decisões que o texto entrega à protagonista.
“Imperdoável”, vale ressaltar, constrói bem a tensão. A câmera acompanha Ruth sempre de maneira frontal para podermos perceber a angústia da personagem, que se sente quase sempre observada e motivo de comentários - os barulhos da cidade incomodam e ela reage instintivamente a sons de sirene, por exemplo. Sua soltura causa desconforto em pessoas afetadas por seus atos prévios, o que cria um mistério acerca do que pode acontecer.
É uma pena que o roteiro opte por caminhos tão bobos, o que talvez funcione na série, mas o filme pede outras construções que curiosamente até são ensaiadas, como a discussão sobre privilégios, mas logo abandonadas. A revelação do texto é boa, apesar de todo o didatismo que a sucede, mas a maneira como ela é trabalhada no arco seguinte não mantém a qualidade.
Nos últimos momentos, o filme perde sua cadência e sua pegada de “redenção” para se transformar em um thriller de qualidade questionável. A motivação de um personagem é clara, mas ele é construído o tempo todo como um sujeito avesso àquilo. Sua virada é pouco crível e abrupta, causando até certo incômodo no espectador.
A vantagem do filme de Nora Finscheidt é que seu elenco é cheio de rostos conhecidos e talentosos, ainda que um pouco subaproveitados, o que atrai espectadores para a obra. Jon Bernthal, Vincent D’Onofrio e Viola Davis têm momentos com Bullock e se saem bem, mas são personagens claramente criados apenas como artifícios para movimentar o roteiro - algumas coincidências e a falta de profundidade de todos eles os tornam quase decorativos.
“Imperdoável” desperdiça o talento de atores como Viola Davis, o que deveria ser proibido, e perde a oportunidade de criar uma discussão própria, se distanciando, assim, da série original. Ao fim, é um filme com bons elementos para uma história de redenção, mas que acaba tropeçando na ambição e na necessidade de ser uma obra pop, um texto que recompense o espectador com algo além da jornada de sua protagonista.
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