Um dos grandes méritos da Netflix - talvez o maior deles - é a quantidade de conteúdo disponibilizado globalmente pela plataforma. Isso cria fenômenos mundiais como a coreana “Round 6”, a espanhola “La Casa de Papel” ou o filme polonês “365 Dias”, mas também ajuda a dar visibilidade a produções menores que outrora ficaram escondidas com pouco destaque na locadora ou seriam transformados em filmes para a televisão. “Indecente”, que estreou na Netflix na última quinta (13), se encaixa na última categoria.
Dirigido por Monika Mitchell, uma diretora de filmes para TV cujos créditos de maior destaque são dois episódios de “Virgin River, “Indecente” busca um filão que dá retorno na plataforma, o thriller erótico. Desde o sucesso de “365 Dias”, a Netflix entendeu a demanda e, além de lançar obras como “Sex/Life”, “Sexify” e “Desejo Sombrio”, tem absorvido produções de quinta categoria que provavelmente só seriam assistidas em alguma sessão de soft porn na TV.
“Indecente” é uma adaptação a seis mãos do livro “Virtude Indecente”, de Nora Roberts. Na trama, a escritora de romances policiais Grace (Alyssa Milano) vai visitar a irmã, uma professora com problemas financeiros em meio a um divórcio litigioso. Grace logo conhece o detetive de homicídios bonitão que mora ao lado, Ed (Sam Page), um leitor voraz de seus livros, e aceita sair com ele. Após chegar do “date”, Grace encontra a irmã morta. A cena é clichê: o corpo, o grito, o desespero e a taça de vinho encontrando o chão.
Não demora e a escritora descobre que a irmã estava trabalhando como dominatrix em um site erótico de shows virtuais. Usando todo seu conhecimento adquirido ao produzir livros policiais, Grace insiste em fazer parte da investigação - mesmo quando é deixada de lado por Ed, se mostra muito mais eficaz que a polícia por sua expertise em traçar perfis psicológicos de criminosos.
“Indecente” é um filme barato, com atuações risíveis, péssima edição e um roteiro previsível. Desde o primeiro momento, todos os personagens falam tudo sobre si em diálogos expositivos e artificiais utilizados para compensar o pouco tempo de tela, por exemplo, de Kathleen a irmã da protagonista.
O roteiro obviamente tenta enganar o espectador encontrando novos possíveis culpados a cada 20 minutos, mas a única surpresa, ironicamente é a revelação principal ser tão previsível. Nem é preciso estar tão atento ao filme para perceber o assassino em sua primeira aparição - o texto chega ao absurdo de ter a chefe de polícia afirmando, sem nenhuma vergonha do erro, que todas as provas que encontraram para um suspeito na verdade indicam outro culpado.
A atuação da polícia em “Indecente” é constrangedora. A mesma chefe de polícia, após Grace apresentar a pior ideia possível, contraria todos e o bom senso ao responder com um “Vale a pena tentar” para uma ideia que coloca em risco a vida da protagonista. A escritora está sempre muito adiante da investigação policial e tira conclusões sabe-se lá de onde para chegar ao culpado.
O roteiro é o tempo todo artificial, o que acaba com qualquer surpresa. Por exemplo, se alguém vai se tornar suspeito, na cena anterior ele é visto em comportamento estranho que nem sempre faz sentido além de fazer com que pareça culpado. A virada para o terceiro ato e sua conclusão são péssimas, com o vilão em conflito com a protagonista devidamente explicando todas as suas motivações.
Ainda, ao contrário do que é sugerido pelo título, “Indecente” não tem sensualidade alguma, passando longe de filmes como o péssimo “Por Trás da Inocência” ou o já citado “365 Dias”, que tinham nas cenas “explícitas” um trunfo para um determinado público que pode se frustrar muito com o quão puritano é o novo filme da Netflix.
Ponto de partida para o movimento #MeToo, Milano, que também assina como produtora executiva de “Indecente”, faz do filme um veículo para a crítica à objetificação de corpos femininos. Sua personagem é decidida, mais inteligente do que todos os homens da trama e capaz de resolver quase tudo sozinha.
Alyssa Milano é quem dá o tom do filme, com uma atuação pouco convincente muito por culpa do texto e da direção; não é possível que a única maneira que a diretora encontra de mostrar a protagonista em “ação” seja um close nela com os olhos cerrados antes de alguma “descoberta”. A atriz não parece se esforçar muito, mas ao menos demonstra uma satisfação nos momentos em que Grace se impõe diante de homens controladores.
Ao fim, “Indecente” é apenas ruim, um filme que se destaca negativamente em tudo o que tenta; não é um bom policial, é um péssimo suspense e tampouco funciona como thriller erótico, mais parecendo um episódio ruim da série “Castle”, que tem premissa muito similar. De qualquer forma, é um filme que funciona bem para a Netflix, pois custou pouco e se encaixa em algumas fórmulas que têm funcionado no streaming.
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