Matthew Reilly é um escritor australiano famoso em sua terra natal por seus thrillers acelerados, cheios de reviravoltas, soluções ex-machinas e bombas desarmadas no último milésimo de segundo. Em 2017, ele escreveu um roteiro de ação que poderia ser filmado com um orçamento baixo, boas cenas de ação e um suspense sobre a aniquilação dos EUA. A possibilidade abriu os olhos da Netflix, que pensou “Interceptor” inicialmente como uma série, mas, para a sorte da humanidade, o projeto acabou transformado em um filme dirigido pelo seu próprio autor.
“Interceptor” é a história da capitã JJ Collins (Elsa Pataky), uma militar que retorna a um posto em que antes trabalhava após ser transferida do cargo de seus sonhos, no Pentágono, onde foi assediada sexualmente e acabou vítima de uma campanha de difamação nas redes por ter denunciado o assediador, um militar do alto escalão. Apesar de ter vencido o processo contra o assediador, ela acabou “punida” com o retorno a um posto de pouco prestígio em uma das duas bases americanas responsáveis pela interceptação de possíveis ataques russos - sem essa linha de defesa, um míssil nuclear lançado de solo russo chegaria a qualquer ponto dos EUA em cerca de 24 minutos.
Não demora quase nada para um ataque derrubar uma das bases, deixando a base de JJ, também sob ataque, como “a única coisa que impede o armagedom nos EUA”, como define um dos personagens. Tudo isso acontece em pouco mais de 12 minutos de projeção, o que deixa “Interceptor” com uma hora e meia de situações repetidas, diálogos medonhos, atuações horrorosas e algumas boas coreografias.
É fácil identificar “Interceptor” como um filme que outrora acabaria relegado à parte de baixo da prateleira de “Ação” em locadoras de bairros. A direção de Matthew Reilly, em seu filme de estreia no posto, mostra a inexperiência do agora cineasta e também sue apego ao texto escrito por ele. O roteiro é todo artificial, cheio de coincidências e com soluções constrangedoras em diversos momentos, característica reforçada pela atuação canastrona de Pataky e pela falta de sutileza do autor/diretor.
Todo discurso feminista do filme ironicamente acaba sendo utilizado para desenvolver mais seu vilão, Alexander (Luke Bracey), do que a protagonista. JJ, assim, se torna a responsável por frases “de efeito” como “se é pra ficar de mansplanning, me mata logo” (que não é traduzida dessa forma na legenda em português). Reilly claramente escreve sobre o tema como quem acompanhou alguma thread no Twitter, sem se aprofundar em nada.
Apesar de os grandes vilões invisíveis serem os russos, os soldados que ameaçam a vida de JJ são americanos padrões, com visual caipira e sotaque sulista. Alexander, que ganha certa profundidade, não se encaixa no estereótipo caipira, mas acaba caindo no clichê de que é necessário acabar com tudo para começar os EUA de novo.
Enquanto isso, toda resistência para salvar os EUA é feita por JJ, filha de uma espanhola com um americano, e por Rahul (Mayen Mehta), um militar americano de origem hindu. Ainda, quem dá suporte aos dois é a presidente Wallace (Zoe Carides) e um general negro (Marcus Johnson). Reilly nunca escancara esse ponto, mas ele fica claro quando os vilões tratam JJ e Rahul como estrangeiros “parte do problema” dos EUA. Mesmo sendo uma criação inteligente do roteiro, essas diferenças são mal-exploradas ao ponto de parecerem involuntárias. Até os poucos pontos em que o texto parece fugir da mesmice são “corrigidos” por ele como se tivessem sido equívocos, mas as soluções fazem pouco ou nenhum sentido.
O texto ainda se aproveita do vínculo entre Elsa Pataky e Chris Hemsworth para utilizar o bonitão com seu único alívio cômico - o Thor da Marvel, marido de Pataky, assina como produtor executivo e tem alguns poucos minutos de tela, inclusive na cena pós-crédito. “Interceptor” se leva a sério demais e talvez por isso não consiga fazer graça com as várias situações ridículas que coloca em tela.
Não seria nem necessária uma sátira aos thrillers de ação para que o texto de Matthew Reilly funcionasse com mais leveza, bastava que brincasse com sequências, com as expectativas do público. Apesar do dramalhão novelesco, “Interceptor” nunca desperta sentimentos no espectador, o que é fruto de clichês na concepção dos personagens e da pouca identificação que eles despertam.
A saída encontrada pelo diretor é a utilização de música de fundo na totalidade do filme - são raras ou inexistentes as cenas em que uma música não tente dizer ao espectador o que sentir, tornando o recurso mais irritante do que funcional.
Com a mesma esquipe de preparação de elenco do ótimo “Resgate”, também da Netflix, “Interceptor” traz boas cenas de ação e coreografias nos embates físicos, mas nada que mereça tanto destaque, pois o tom de galhofa involuntária e a edição do filme tiram os pesos dessas lutas. A galhofa fica exposta no início do filme, com a sequência do ácido, e o problema de edição é visível no terceiro ato, que até diminui um dos méritos do filme de conferir aspecto global a uma história pequena e praticamente de locação única.
Ao fim, “Interceptor” é muito ruim. A tentativa de um filme de ação se torna risível com um roteiro que talvez funcionasse como thriller literário genérico, mas que não sobrevive às atuações desastrosas do filme quando os diálogos são pronunciados de forma constrangedora pelos atores. Ao homenagear o gênero, Matthew Reilly amplifica todas as suas falhas e seus clichês, entregando o constrangimento ao invés do conforto.
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