Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Inventando Anna": nova série de Shonda Rhimes na Netflix é ótima

"Inventando Anna" conta a história real de Anna Delvey, uma golpista que enganou a alta sociedade nova-iorquina com uma vida de luxo e muita ambição

Vitória
Publicado em 11/02/2022 às 02h48
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Julia Garner como Anna Delvey na série "Inventando Anna", da Netflix. Crédito: AARON EPSTEIN/NETFLIX

Em maio de 2018, a “New York Magazine” publicou o artigo “Maybe She Had So Much Money She Just Lost Track of It” (“Talvez ela tivesse tanto dinheiro que tenha perdido o controle sobre ele”, em tradução livre). De autoria da jornalista Jessica Pressler, o texto contava a história de como a jovem Anna “Delvey” Sorokin se infiltrou no circuito de milionários americanos vivendo uma vida de luxo, viagens, alta costura e eventos sociais, convencendo todo mundo ser uma herdeira alemã e buscando investimentos para criar a fundação que levaria seu nome.

Logo depois da publicação, Shonda Rhimes (“Grey’s Anatomy”) adquiriu os direitos da história e decidiu que iria transformá-la em uma minissérie para seu milionário acordo com a Netflix. “Inventando Anna” chega nesta sexta (11) à plataforma com a história dividida em nove episódios de uma narrativa de idas e vindas que acompanha a jornalista Vivian Kent (Anna Chlumsky, de “Veep”), personagem baseado em Pressler, em sua busca por informações sobre Anna (Julia Garner, de “Ozark”) para escrever o artigo.

“Inventando Anna”, até pelo formato e pelo arco fechado, é bem diferente das outras obras assinadas por Rhimes (“Scandal”, “How to Get Away With Murder”, “Grey's Anatomy”); a série tem um ritmo mais cadenciado, sem tanta pressão por ganchos ao final de cada episódio. O que importa, neste caso, é muito mais a jornada do que o destino, pois desde o início já encontramos Anna presa. É por isso, inclusive, que a série é tanto sobre Anna quanto sobre a jornalista.

Jornalista renomada, Pressler é autora também do artigo que deu origem ao filme “As Golpistas”, sobre strippers que aplicavam golpes em executivos de Wall Street. Em “Inventando Anna”, porém, ela sofre com um recém-publicado artigo que prejudicou sua credibilidade jornalística - o texto realmente existiu, mas não vou entrar em detalhes aqui, pois é um dos bons arcos da série.

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Série "Inventando Anna", da Netflix. Crédito: AARON EPSTEIN/NETFLIX

A série é conduzida a partir da confecção do artigo. Assim, à medida que a jornalista descobre alguma informação em alguma entrevista, algum documento ou até mesmo com Anna contando a história, a narrativa nos leva àquele momento da vida da golpista. O estilo narrativo combina com o título e mostra a construção da persona de Anna Delvey e o modus operandi da golpista, indo de círculo em círculo, criando personalidades diferentes, brincando com as carências das pessoas e, principalmente, com a vergonha.

Vivian Kent conduz o espectador pela história de Anna e acompanhamos Julia Garner ótima como uma mulher de várias caras, capaz de passar do afeto à crueldade em instantes, com um comportamento manipulador e um charme que cria a figura da sociopata complexa. Anna é uma mulher que passa a maior parte do tempo com um pretenso ar despreocupado típico de uma herdeira, mas que também parece sempre estar olhando sobre os ombros como se algo a perseguisse.

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Anna Chlumsky na série "Inventando Anna", da Netflix. Crédito: DAVID GIESBRECHT/NETFLIX

“Inventando Anna” também tem alguma dose de humor, mas quase nunca é intencional do texto - as risadas acabam vindo do constrangimento causado pela personagem nos lugares e pelo comportamento caricato dos milionários com quem ela acaba se envolvendo. Apesar disso, o roteiro parece desperdiçar alguns arcos, o que provavelmente é uma escolha dos produtores - Anna usa as pessoas e as descarta quando atinge seus objetivos ou quando elas percebem algo estranho sobre ela.

Mesmo a série sendo sobre Anna, a história de Vivian às vezes parece mais interessante do que a da protagonista. Tendo sofrido um golpe, a jornalista se via diante de uma chance única de contar uma história que ninguém havia perseguido e que mexeria com a alta sociedade nova-iorquina. Ao mesmo tempo, ela tem que conter a ambição e a empolgação para não se tornar mais uma vítima de Anna. A história de Vivian precisa estar sustentada por fontes e documentos, e a texto reforça essa necessidade na personagem. É óbvio que a rotina de um jornalista está longe de ser retratada com fidelidade pela série, mas a visão que ela traz tem bons pontos.

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Série "Inventando Anna", da Netflix. Crédito: NICOLE RIVELLI/NETFLIX

A série aos poucos distancia a personagem da sociopatia manipuladora e a constrói como uma vítima do capitalismo selvagem. Neste cenário, vê-la enganando ricaços é quase satisfatório, pois tudo o que ela quer é ser um deles, é ter seus talentos reconhecidos e fazer parte do exclusivo clube de privilegiados, não importa o que tenha que fazer para isso.

“Inventando Anna” ganha ainda mais apelo com a força dos fatos - Anna Delvey existe e realmente enganou muita gente. É claro que o texto de Shonda Rhimes toma liberdades dramáticas, mas se mantém fiel à essência do artigo escrito por Pressler. Essa mistura de investigação jornalística com uma personagem central tão complexa e o ritmo pop de Rhimes fazem de “Inventando Anna” uma história de consumo leve.

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Série "Inventando Anna", da Netflix. Crédito: AARON EPSTEIN/NETFLIX

Mas mais do que isso, “Inventando Anna” é uma história de fácil identificação, de uma jovem em busca de sua parte no mundo dominado por gente que muitas vezes não fez nada para estar ali. Como diz Anna, “há muito dinheiro no mundo, mas uma quantidade limitada de gente talentosa”. Anna acredita ser parte dessa quantidade limitada e acreditava estar buscando o que lhe prometeram, o sonho americano.

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