Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Jiu Jitsu": filme com Nicolas Cage na Netflix é constrangedor

Lançado em 2020, sem ninguém ver, mas agora disponível na Netflix, "Jiu Jitsu" é um dos filmes que Nicolas Cage aceitou fazer para pagar suas dívidas milionárias

Vitória
Publicado em 01/10/2022 às 02h29
Filme
Filme "Jiu Jitsu", com Nicolas Cage, disponível na Netflix. Crédito: Netflix

Nicolas Cage, simplesmente Nicolas Cage. Sério, existe alguém na indústria do cinema com uma carreira tão estranha? Cage ganhou um Oscar (“Despedida de Las Vegas”) e se tornou um dos maiores atores de Hollywood, mas torrou centenas de milhões de dólares em extravagâncias, acumulou dívidas com a receita federal e praticamente faliu. Algumas apostas não vingaram (“Motoqueiro Fantasma”, “O Aprendiz de Feiticeiro”) e os convites diminuíram. Não chegava a oportunidade de fazer um terceiro “A Lenda do Tesouro Perdido” ou propostas para trabalhar com diretores emergentes, mas, no lugar delas, alguns convites para bons filmes, mas em papéis menores, outros de produtoras cristãs (como o pavoroso “O Apocalipse”) e até em outros mercados, como o tailandês “Perigo em Bangkok”. Todo mundo precisa pagar as contas, e Cage tinha muitas.

Originalmente lançado nos cinemas no final de 2020, em um período de baixa da pandemia, “Jiu Jitsu” foi visto por pouca gente. Apesar de ter custado cerca de US$ 25 milhões, o filme lucrou menos de US$ 100 mil nas bilheterias mundo afora. Culpa da pandemia, sim, mas também culpa do filme dirigido por Dimitri Logothetis, uma obra que provavelmente estará em diversas listas de piores filmes da história do cinema.

“Jiu Jitsu” teria uma boa morte escondido na cinebiografia de Nicolas Cage como um filme horroroso que ninguém viu e poderia até se tornar cultuado como bagaceira anos adiante, mas a Netflix licenciou o filme, apostando que seus usuários assistem a qualquer coisa e, obviamente, no nome de Nicolas Kim Coppola, Nic Cage para os íntimos.

O filme de Logothetis estreou na Netflix e quase que imediatamente entrou na lista dos mais assistidos. O texto mistura ação e ficção científica num clima de anos 90 e sem se preocupar com nada além das cenas de ação. Justiça seja feita, algumas cenas de luta têm coreografias interessantes e até umas ousadias na direção para dialogar com a linguagem de jogos; a primeira grande sequência de lutas usa a câmera como em um FPS (jogo em primeira pessoa), mas isso logo é abandonado, dando espaço a uma estética mais convencional.

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Filme "Jiu Jitsu", com Nicolas Cage, disponível na Netflix. Crédito: Netflix

A história? Bem… O filme tem início com um homem (Alain Moussi) fugindo pela floresta enquanto é alvejado por armas semelhantes a estrelas ninja. Não vemos quem o ataca, mas ele chega a um penhasco e tem que pular no mar. Quando acorda, sem se lembrar de nada, foi levado a uma base do exército americano na Birmânia após ser resgatado pelo misterioso personagem de Nicolas Cage e alguns birmaneses que cuidaram dele. Após uma “boa” cena de ação, o homem foge e encontra uma galera de quem deveria ser amigo, lutadores habilidosos que dizimam um grupo de soldados com facilidade.

Sem entrar em spoilers, “Jiu Jitsu” bebe na fonte do cinema noventista. A influência de “Predador”, por exemplo, é bem menos sutil do que manda o código de ética. Antes mesmo de conhecermos o verdadeiro antagonista, a narrativa traz uma visão subjetiva da ação através de uma visão de calor, ou seja, uma ameaça com esse tipo de poder está à espreita. Quando tudo se revela, há ainda mais semelhanças com a criatura da franquia iniciada com Arnold Schwarzenegger, em 1987, e que tem no ótimo “O Predador: A Caçada” (Star+) seu filme mais recente.

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Filme "Jiu Jitsu", com Nicolas Cage, disponível na Netflix. Crédito: Netflix

A revelação é também o ponto em que o filme desanda de vez. Jake (o homem sem memória) e os amigos são parte de um grupo de lutadores de jiu jitsu que defendem a humanidade de uma ameaça alienígena que vem à Terra a cada seis anos para lutar com o mais poderoso defensor da humanidade. O alien é uma ameaça genérica e se parece muito com o robô do remake de “Perdidos no Espaço” que luta kung-fu; não há falas, não há desenvolvimento algum, tudo o que se sabe dele é passado pelo protagonista pelo personagem de Nicolas Cage, uma espécie de Mestre Yoda misturado com o “Dude” de Jeff Bridges no clássico “O Grande Lebowski”. O personagem de Cage é um sujeito que pouco aparece em cena, mas a quem o texto tenta dar relevância, afinal, a participação do ator custou US$ 5 milhões (20% do filme) para três dias de filmagens (de 35 no total).

“Jiu Jistu” parece um filme feito por um diretor amador que contratou bons correógrafos e um ator famoso. Surpreende, assim, que Dimitri Logothetis seja um veterano - nunca faz um filme que possa ser considerado no mínimo razoável, mas tem experiência com cinema de arte marcial. Isso talvez justifique que a única coisa que salva no filme distribuído pela Netflix, com boa vontade, seja uma ou outra coreografia.

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Filme "Jiu Jitsu", com Nicolas Cage, disponível na Netflix. Crédito: Netflix

Visualmente, o filme é tosco, com efeitos digitais muito datados, uma péssima edição de som  e uma montagem atropelada, principalmente quando Cage, que não tem as habilidades marciais dos outros atores, está em cena. O roteiro parece escrito por um adolescente após um final de semana assistindo a filmes de ação dos anos 1990 e de artes marciais, com referências a Jean-Claude Van Damme, Sylvester Stallone e ao já citado “Predador” de Schwarzenegger. Tudo o que acontece é explicado em tela pelo personagem de Cage, o guru do grupo. Além disso, as viradas do filme são constrangedoras e não causam outra reação se não a gargalhada incrédula.

Em entrevista, Logothetis contou que a ideia era ter Bruce Willis no lugar de Nicolas Cage, mas o ator de “Duro de Matar” nunca teria retornado as ligações após ler o roteiro. Willis, vale ressaltar, fez várias escolhas totalmente questionáveis por filmes para pagar as contas, mas nenhum deles é uma atrocidade tão grande quanto “Jiu Jitsu”. Apenas como curiosidade, há pouquíssimo de jiu jitsu no filme. As técnicas da arte aparecem em uma ou outra cena apenas para justificar o nome.

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