Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"John Wick 4" é um dos grandes filmes de ação da história do cinema

"John Wick 4: Baba Yaga" eleva a já excelente franquia estrelada por Keanu Reeves a outro nível. Novo filme encerra um ciclo, mas abre diversas possibilides

Vitória
Publicado em 23/03/2023 às 15h25
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Keanu Reeves no filme "John Wick 4: Baba Yaga". Crédito: Paris Filmes/Divulgação

Quando foi lançado, em 2014, “John Wick” foi tão subestimado que até ganhou no Brasil o nome genérico de “De Volta ao Jogo”. Era o filme de diretores iniciantes, os ex-dublês Chad Stahelski e David Leitch, com orçamento limitado, US$ 20 milhões, um ator em baixa, Keanu Reeves, e uma trama genérica de um ex-assassino que retorna da aposentadoria para se vingar de uma gangue que roubou seu carro e, pior ainda, matou seu cachorro. Com boas críticas e muita divulgação espontânea, o filme ganhou força dentro e fora dos EUA, conquistando uma bilheteria praticamente quatro vezes maior que seu custo.

Mesmo sendo um filme enxuto (90 minutos) e focado nas excelentes cenas de ação, “John Wick” estabeleceu um universo de muitas possibilidades no momento em que John entra no hotel Continental - não era apenas um filme de ação, existia uma mitologia cheia de regras e, principalmente, consequências. De repente, além de revolucionar a ação no cinema hollywoodiano, com muita influência do cinema asiático de ação e de filmes cultuados como “Equilibrium” (um fracasso enorme de bilheteria), “John Wick” tinha personagens interessantes e seria impossível não retornar àquele mundo.

A franquia foi crescendo exponencialmente, ganhando ares de blockbuster, mesmo com orçamento ainda limitado, e às vezes até esbarrando nas ambições por grandiosidade. As duas sequências são ótimas, oferecendo um mergulho na mitologia criada no primeiro filme e, claro, cenas de ação que se tornaram um novo padrão na indústria. É só agora, porém, com “John Wick 4: Baba Yaga”, que a série de filmes alcança seu ápice.

O quarto filme foca nas regras estabelecidas e nas consequências dos atos de Wick no filme anterior, tanto para ele quanto para as pessoas próximas a ele. Desde a cena de abertura, o personagem de Keanu Reeves parece lidar com a inevitabilidade do fim, mas isso não o impede de tentar resolver suas “dívidas” com os manda-chuvas da High Table, que conferiram ao misterioso e perigoso Marquês (Bill Skarsgård) a missão de usar Wick como exemplo de que regras devem ser seguidas.

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Keanu Reeves no filme "John Wick 4: Baba Yaga". Crédito: Paris Filmes/Divulgação

A primeira grande cena de ação, no Continental de Osaka, no Japão, é algo tão surpreendente que deixa o espectador imaginando até onde o filme pode chegar; se aquela é a cena que de fato abre o filme, o que pode haver além dela? Claro que, sequência após sequência, essa sensação se esvai até chegar ao ótimo e grandioso terceiro ato.

Na figura do Marquês, “John Wick 4” encontra também seu primeiro grande vilão, uma figura ameaçadora por seu poder e pelo dinheiro que possui, não por suas habilidades. Essa construção fica clara com a espetacular direção de fotografia de Dan Laustsen (indicado ao Oscar por “A Forma D’água” e “O Beco do Pesadelo), que vai muito além de criar belas imagens, dando a dimensão da grandiosidade do filme. O Marquês é frequentemente filmado de baixo para cima ou de maneira a tirar proveito dos 1m92cm de

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Keanu Reeves no filme "John Wick 4: Baba Yaga". Crédito: Paris Filmes/Divulgação

Bill Skarsgård, sendo mostrado sempre como uma figura intimidadora em comparação a outros personagens como Winston (Ian McShane), que, por vezes, se perde na grandiosidade do ambiente, ou seja, é apenas um pequeno elemento de uma composição maior.

Enquanto o Marquês representa essa ameaça do capital, Caine (Donnie Yen) é quem antagoniza Wick em habilidade. Amigo do protagonista, Caine também tem uma dívida a ser paga e o custo é matar John Wick. O talento de Yen para cenas de luta é praticamente inigualável; o ator entende não apenas as artes marciais, mas também a necessidade pela estética dos movimentos em cena. Suas cenas na sequência de Osaka são incríveis e o Stahelski tem ciência disso ao ponto de fazer o público ansiar pelo duelo entre Caine e Koji Shimazu (Hiroyuki Sanada), o que ocorre numa estética de filmes de samurais.

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Donnie Yen no filme "John Wick 4: Baba Yaga". Crédito: Paris Filmes/Divulgação

É interessante como “John Wick 4” dialoga tanto com a linguagem de vídeo games quanto com a de clássicos do faroeste e o já citado cinema de samurais, de quem o texto usa códigos de honra e, obviamente, os duelos de espadas. Enquanto o já citado ato inicial se aproveita das cenas do Japão para essa estética, o ato final se assemelha muito à estrutura de jogos de ação. As cenas do Arco do Triunfo e a da escadaria da Sacre Couer impressionam pela grandiosidade e pelo miss-en-scène necessário para pensá-las e tirá-las do papel. Outra sequência muda o ângulo de câmera e filma a ação de cima em um plano sequência que remete obviamente a jogos como “Hotline Miami”.

“John Wick 4” tem muita ação, mas ela raramente se repete, e isso é um grande mérito de Chad Stahelski. Com quase três horas de duração, o filme poderia ser uns 30 minutos mais curto se eliminasse alguns excessos como o arco da Alemanha, mas essa solução eliminaria também a ótima cena protagoniza por Reeves com Scott Adkins como antagonista. O astro de filmes B de artes marciais se apresenta com uma fat suit (a famosa roupa de gordo) e funciona quase como um alívio cômico em suas cenas de ação. Ainda assim, é um excesso, uma parte do filme voltada para o nicho desse cinema de ação não blockbuster, um público que “John Wick” abraça e um estilo que transforma em algo maior. É quase irônico que, após tanto caos e ação, o filme se encerre de maneira poética e tranquila, com um ciclo encerrado em meio a tiros, escolhas, regras e consequências.

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Bill Skarsgård no filme "John Wick 4: Baba Yaga". Crédito: Paris Filmes/Divulgação

Sem grandes pretensões, Chad Stahelski e Keanu Reeves revolucionaram a Sétima Arte com ação elaborada, complexa e absurda, mas nunca artificial, para criar a mais satisfatória franquia de ação do cinema contemporâneo. John Wick é um “super-herói”, mas apanha, sofre, é levado ao limite físico e, desde o primeiro filme, é movido por sentimentos simples - a maneira como pede para ser lembrado no caso de sua morte é prova disso. “John Wick 4: Baba Yaga” não é apenas o melhor “John Wick”, é também um dos grandes filmes de ação já realizados.

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