Quando “Jung_E” tem início, é certo que estamos diante de um filme de guerra futurista. Nos vemos acompanhando a capitã Jung-yi Yun (Hyun-joo Kim) sozinha diante de máquinas humanoides programadas para matá-la, mas ela derrota todas que surgem antes de ter sua atenção desviada por um momento e ser atingida. Tudo muda, entendemos o que está acontecendo e o filme ganha novos ares.
“Jung_E” se passa em um futuro próximo, quando a Terra foi devastada pelas mudanças climáticas e a humanidade migra para abrigos no espaço. Após um tempo, alguns desses abrigos se organizaram em uma nova nação, o País de Adrían, e uma guerra civil iniciou-se. O violento conflito teve na capitã Yun uma de suas heroínas, mas sua missão final não foi bem sucedida. Por isso, 35 anos depois, tentam recriá-la buscando corrigir a falha responsável por sua queda. Tudo isso é devidamente explicado em uma espécie de vídeo promocional exibido um pouco depois da cena de abertura para executivos obviamente bem mais preocupados com os lucros que a guerra pode gerar do que com a violência do conflito.
Descobrimos depois que a filha da capitã, Seo-hyun Yun (Soo-youn Kang, da ótima “Profecia do Inferno”, também na Netflix), é uma das cientistas do projeto. Diariamente, ela assiste a clones da mãe sendo mortas e sendo praticamente torturadas como forma de descobrir qual o entrave da capitã que continua afetando suas “versões” tanto tempo depois.
“Jung_E” logo abandona a pegada inicial, como uma ficção científica de guerra, e se transforma em um drama sempre raso sobre os limites éticos da clonagem humana. Vendo que o projeto de clonar a capitã como uma espécie de supersoldado capaz de vencer a guerra sozinha estagnou, a empresa responsável pela inteligência artificial decidiu dar outros rumos para a pesquisa, o que incomodou Seo-hyun e a fez elaborar um plano para que a “mãe” pudesse escapar.
Esteticamente dentro dos padrões dos blockbusters de ficção científica, “Jung_E” usa bem a computação gráfica a seu favor, com bons robôs e cenários bem construídos, mesmo sem profundidade quando em planos mais abertos. Da mesma forma, as cenas de ação são bem pensadas, com os robôs parecendo fazer parte do ambiente de forma orgânica, e não como uma animação.
É interessante como o diretor e roteirista Sang-ho Yeon tem trabalhado melhor em narrativas mais longas. O ótimo “Invasão Zumbi” (2016) o colocou no mapa como uma revelação, mas a continuação, “Invasão Zumbi 2: Península” (2021), mostrou um cineasta mais ambicioso, com pegada de blockbusters americanos, mas não manteve a qualidade do texto. Foi na já citada “Profecia do Inferno” que o diretor pode desenvolver com calma seus personagens, dando profundidade a eles e fazendo com que o público se importasse com os riscos.
Em “Jung_E”, Sang-ho Yeon cria um universo razoavelmente interessante, mas entrega um trama rasa. O texto trabalha mal a questão ética e o incômodo de Seo-hyun de ver o clone de sua mãe sendo torturado diariamente sem nenhuma consideração. Até mesmo a grande virada que faz a protagonista se rebelar contra a empresa é mal-desenvolvida e pouco discutida pelo roteiro, funcionando apenas como um gatilho para a mudança de pensamento da personagem. Falta também uma discussão mais séria sobre os tais limites éticos das práticas de clonagem e, principalmente, sobre a natureza humana, sobre o que nos difere das máquinas - que fique claro: a discussão nem precisava ser profunda como em “Ex-Machina” (2014) ou com os ares filosóficos de “Blade Runner” (1981), ela precisava apenas existir. O filme até ensaia, superficialmente, essa possibilidade, mas prefere usá-la apenas para fins de ação.
No terceiro ato, quando já nos esquecemos da ação inicial, “Jung_E” dá uma volta e entrega uma boa cena no clímax (mesmo que ela se sustente em uma estranha coincidência) para finalizar com a impressão de que poderíamos ter dois bons filmes: uma boa ficção científica de guerra/ação ou um bom drama familiar com a tecnologia como base. O que a Netflix lança, no entanto, fica no meio do caminho, nunca chegando a ser um ou outro. Não é ruim, mas também nunca engrena.
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