Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Katla": série da Netflix tem bom mistério e ótimo drama

"Katla", série islandesa da Netflix, mistura ficção científica e suspense para falar dos traumas dos habitantes de uma cidade atingida por um vulcão

Vitória
Publicado em 19/06/2021 às 03h05
Série islandesa
Série islandesa "Katla", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Apesar do sucesso de alguns autores nórdicos como a finlandesa MIka Waltari e o norueguês Jostein Gaarder ainda no século passado, foi a partir do sucesso de Stieg Larson, da trilogia “Millennium”, que as obras do norte europeu passaram a ser mais traduzidas para o inglês e, posteriormente, para o português.

O sucesso literário hoje em dia tem um caminho praticamente definido: a venda de direitos para as telas. Os filmes e séries nórdicos com pegada policial se tornaram uma febre. Inclui-se aí tanto as originais quanto as versões americanas de “The Bridge” e “The Killing”, o sucesso islandês “Assassino de Valhalla”, a ótima “Dinheiro Fácil” e obras como “Trapped”, “Deadwind”. Há ainda a franquia “Q”, disponível no Amazon Prime Vídeo, e o curioso caso do filme “Vingança a Sangue Frio”, com Liam Neeson”, remake do norueguês “Kraftidioten” que Hollywood copiou cena por cena inclusive com o mesmo diretor, Hans Peter Moland. Em comum, todas essas obras falam de crimes e têm tramas policiais situadas ironicamente em países com níveis baixíssimos de violência.

O sucesso dos policiais nórdicos abriu caminho para outros gêneros que agora ganham as plataformas de streaming; “Borgen”, por exemplo, fala sobre política, enquanto “Ragnarok” transforma o fim do mundo da mitologia nórdica em uma trama adolescente e “Amor e Anarquia” abraça a comédia romântica. Minha favorita, “Equinox”, mistura o melhor dos dois mundos, uma trama policial que oferece um pesado mergulho na mitologia norueguesa de forma muito pouco didática.

Lançada na última semana pela Netflix, “Katla” é a tentativa nórdica de se aproximar de uma fantasia de ficção científica estilo “Dark”, mas de forma muito mais contida do que o sucesso alemão. A série se passa na pequena Vik, uma pacata e isolada cidade islandesa onde há um ano o vulcão Katla entrou em erupção. A maior parte dos moradores foi embora, mas a cidade passou a receber equipes de pesquisadores e até alguns curiosos dispostos a explorar a geleira e o ambiente inóspito.

Série islandesa
Série islandesa "Katla", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Por isso, quando uma mulher aparece nua a coberta pelas cinzas do vulcão vagando pela geleira, a reação inicial é tratá-la como uma turista sueca que se perdeu de um grupo. Não demora, porém, para descobrirem que a mulher, Gunhild (Alette Opheim), trabalhou no hotel da cidade há 20 anos e hoje vive na Suécia - a Gunhild que surgiu na geleira é a versão que passou pela cidade há duas décadas, com as mesmas lembranças, como se nada tivesse acontecido. Logo aparecem outras pessoas, algumas já mortas, algumas versões diferentes das que estão por lá, vivas. Está construído o mistério da narrativa.

“Katla” pode parecer pegar emprestado situações de outras séries, mas ela encontra sua identidade no ritmo cadenciado e na maneira como trata seus personagens. Criada pelo islandês Baltasar Kormákur, cineasta responsável pela série “Trapped” e por filmes como “Dose Dupla”, “Contrabando” e “Everest”, “Katla” constrói sua tensão aos poucos, com sugestões e pistas que tornam importante cada detalhe da trama.

Série islandesa
Série islandesa "Katla", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

O roteiro, na maior parte do tempo, foge de didatismos, mas repete uma informação importante em alguns momentos - ao contrário de “Equinox”, “Katla” oferece recursos para sua compreensão, mesmo que apenas superficialmente, e explica um pouco da mitologia e do folclore do texto. Assim, a série vai gradualmente ganhando novos elementos, alguns mais fantasiosos, outros de carga dramática mais pesada, mas tudo como parte de um grande mistério.

Um dos destaques de “Katla” é a ambientação. Vik é uma cidade sem esperanças, com habitantes amargos e machucados pelo tempo. A fotografia da série capta bem esse ambiente inóspito, com a fumaça constante saindo do vulcão e tomadas aéreas que mostram a grandiosidade dele quando comparado à cidade.

Quando finalmente entendemos (mais ou menos) o que está acontecendo, entendemos também a intenção da série de lidar com a culpa, os arrependimentos e o luto. O texto acerta em sugerir algumas teorias e fazer com que o espectador acredite ter descoberto algo por conta própria, oferecendo uma recompensa, uma satisfação - preste atenção aos ciclos.

“Katla” é uma série lenta e poderia ser mais atrativa com um ritmo mais pop, mas aí se distanciaria justamente do que a faz única. Não busque explicações lógicas, e se preocupe mais com a viagem do que com o destino. Ao fim dela, mergulhamos tanto em alguns dramas que as pessoas saindo da geleira se tornam detalhes quase irrelevantes.

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