A primeira coisa que deve ficar bem clara para quem for assistir a “Spencer” é o fato de o filme ser o mais distante possível de uma biografia convencional´da Princesa Diana. Dirigido pelo chileno Pablo Larraín ("No" e "Jackie"), o filme que chega nesta quinta (27) aos cinemas é um recorte do feriado de Natal de 1991 na família real britânica. À época os tabloides ingleses já noticiavam o relacionamento extraconjugal do príncipe Charles com Camila Parker Bowles, o que deixava Diana cada vez mais desconfortável naquele núcleo familiar.
Larraín e o roteirista Steven Knight misturam realidade e ficção para que a narrativa de “Spencer” exploda em desconforto. Com Diana (Kristen Stewart) sempre em tela, é impossível não sentir as suas dores e a angústia de cada momento em que deve obedecer as rígidas regras dos funcionários da família real.
Stewart é registrada o tempo todo em ângulos fechados, como se estivesse presa à cena, ou acompanhada pela câmera ao passear pelos corredores da propriedade em Norfolk. Esse aspecto faz com que o espectador divida com a princesa o desconforto de estar ali - os únicos momentos em que Diana é feliz é ao lado dos filhos, William (Jack Nielen) e Harry (Freddie Spry), sequências em que a estética do filme se transforma e os tons pastéis dão lugar a cores mais quentes.
O filme transmite muito bem essa sensação de uma mulher isolada mesmo quando não está sozinha e quase sempre olhada de lado. Diana provoca funcionários, quebra as normas da realeza, atrasa compromissos e desobedece protocolos o tempo todo em cenas filmadas sem a perfeita simetria do resto do filme, com enquadramentos tortos e quase claustrofóbicos tanto para o espectador quanto para Kristen Stewart em tela.
Desde a primeira aparição da então princesa, “Spencer” já deixa claro essa sensação de não-pertencimento. Enquanto os preparativos são executados aos mínimos detalhes em Norfolk, Diana dirige um Porsche conversível meio sem destino; ela sabe o caminho, conhece a propriedade e a região, mas não consegue encontrá-la, ou talvez não queira chegar a seu destino.
Toda essa narrativa não teria nem metade da eficiência sem a trilha sonora de Jonny Greenwood, que mistura um jazz dissonante à música barroca de métrica complexa. Muito presente, as músicas compostas pelo guitarrista do Radiohead potencializam o incômodo da princesa, uma mulher em busca de equilíbrio, entre tempos e contratempos, sem encontrar um ritmo ideal - não é coincidência que a passada da protagonista finalmente se encaixe na métrica da música em uma determinada sequência. Ainda, esse desconforto é deixado de lado nos momentos em que a princesa se reconecta a algo. Vale ressaltar a fortíssima possibilidade de Greenwood ser indicado ao Oscar tanto pela trilha de "Spencer" quanto pela do ótimo "Ataque dos Cães".
Kristen Stewart entrega a melhor atuação de sua carreira ao capturar manias e maneirismos gestuais de Diana, mas sem exagerar. A atriz transita bem entre a pura melancolia e os momentos em que a princesa encontra a tranquilidade, entre o olhar vazio e o sorriso amarelo em contraposição ao afeto e a empatia de alguns.
É interessante como o desconforto às vezes gera um humor involuntário, como se Diana quisesse transferir a mesma sensação às pessoas que cerceiam suas liberdades na família real. “Spencer” é um recorte biográfico com elementos de ficção que às vezes se aproxima da narrativa de um thriller surrealista, como na sequência do jantar ou quando a princesa visita sua antiga casa.
A narrativa às vezes é confusa, misturando ficção, realidade e devaneios. “Spencer” é um filme diferente, que busca a empatia através do incômodo para explorar o psicológico de sua protagonista. Ainda assim, é também um filme recompensa o espectador com um ar de esperança mesmo que já conheçamos o destino da princesa.
“Spencer” não é um filme sobre a família real britânica, é necessário dizer; como o próprio nome indica, o filme é sobre Diana Spencer, sobre a busca da princesa de se reencontrar com o que ela era antes de fazer parte de tudo aquilo que, no recorte do roteiro, a leva ao limite da sanidade. Ao fim, temos um recorte que fala mais sobre os sentimentos conflituosos de Diana do que sobre sua vida como Princesa de Gales.
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