No primeiro “Toy Story” (1995), a criança Andy ganha de sua mãe um Buzz Lightyear, boneco de seu filme favorito. “Lightyear”, que estreia quinta (16) nos cinemas, “é” o tal filme. Derivado da que talvez seja a mais importante franquia de animação da História do cinema, “Lightyear” é uma aventura de ficção científica inspiradas em clássicos como “Star Trek” e também o primeiro filme da Pixar a chegar aos cinemas desde “Dois Irmãos”, no mundo pré-pandemia; “Soul” (2020), “Luca” (2021) e “Red: Crescer é uma fera” (2022) acabaram vítimas da pandemia e lançados diretamente no Disney+, o último mais por uma opção do estúdio do que por questões sanitárias.
O filme dirigido por Angus MacLane, veterano animador da Pixar em seu primeiro trabalho solo na direção, traz alguns conceitos até bem complexos de ficção científica, o que tornaria difícil que ele fosse o favorito de uma criança de seis anos (apenas uma observação). “Lightyear” é um produto solo que não tem conexão nenhuma com os filmes de “Toy Story” exceção obviamente feita ao personagem, que nem sequer é o mesmo que conhecemos em companhia de Woody e dos outros brinquedos de Andy.
Esse distanciamento do Buzz que conhecemos para o “novo” Buzz é reforçado pelo filme - Tim Allen e Guilherme Briggs, que deram voz ao personagem, respectivamente no Brasil e nos EUA, nos três “Toy Story”, são substituídos por Chris Evans e Marcos Mion. Evans, ator conhecido por ser o Capitão América no Universo Marvel, dá um tom mais aventuresco e sério a Buzz, enquanto Marcos Mion não faz feio na versão dublada (apesar de a Disney ter inicialmente solicitado que dubladores do Capitão América dessem voz ao protagonista mundo afora). O que importa é o distanciamento do herói daquele boneco adorado pelo público, apenas um simulacro do astronauta que encontramos agora. Esse distanciamento também é notável na parte técnica, pois nunca uma animação da Pixar foi tão fotorrealista quanto agora.
Na trama, Buzz Lightyear é um lendário patrulheiro espacial que comete um grande erro e acaba preso, junto com seu esquadrão, um planeta hostil a milhões de anos-luz da Terra. Sem solução para voltar para casa, parte da tripulação decide habitar o planeta e iniciar uma colônia por lá, mas Buzz não se dá por vencido. Consumido pela culpa, ele decide encontrar uma maneira de voltar para casa e passa a experimentar com um poderoso cristal. Logo nos primeiros testes, Buzz percebe que enfrentará uma ruptura no tempo: cada minuto de voo-teste do herói representa um ano na vida dos outros habitantes do planeta.
Com humor típico da Pixar, “Lightyear” faz bom uso de conceitos pré-estabelecidos de ficção científica - a questão do tempo, por exemplo, fez sucesso em “Interestelar”. O roteiro é inteligente ao usar seus arcos iniciais para puxar o espectador para a trama com uma boa dose de melodrama, um recurso não muito distante do utilizado no ótimo “Up - Altas Aventuras” (2009). A obsessão de Buzz por uma solução resulta em um sacrifício de suas relações; enquanto ele busca uma saída, as pessoas, incluindo sua equipe e seus amigos, seguem com suas vidas, têm relações, se casam, têm filhos… Quando Buzz finalmente se dá conta, ele está sozinho.
A busca pela grandiosidade diante do espaço ou do universo não é novidade em ficções científicas - “Ad Astra” (2019) e até “O Primeiro Homem” (2018) já exploraram isso de maneira mais aprofundada. Ainda assim, a obsessão de Buzz imprime a “Lightyear” um toque humano e, talvez de forma não intencional, faça o filme dialogar com o primeiro “Toy Story”.
No filme de 1995, Buzz não se reconhecia como um brinquedo, não conseguia se enxergar como parte daquele universo do filme. Só quando ele percebe haver outras histórias e outras pessoas do seu lado é que ele desce do pedestal da grandiosidade em que havia sido colocado por ele mesmo (ou pelos criadores do brinquedo). Da mesma forma, ele agora precisa aprender a trabalhar em equipe para, assim, encontrar seu pertencimento.
“Lightyear”, é bom ressaltar, continua sendo uma animação Disney/Pixar, um filme divertido filme-família antes de mais nada - a ficção-científica é o pano de fundo para uma aventura engraçada e visualmente belíssima. Em aventura solo, Buzz ganha a companhia de coadjuvantes interessantes como Alisha Hawthorne (Uzo Aduba e Adriana Pissardini), que vive o tão alardeado relacionamento gay que causou banimento do filme na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes Unidos e na Malásia, e o gato-robô SoX (Peter Sohn e César Marchetti), o mais memorável do filme. Em contrapartida, o antagonismo com o vilão (sem spoilers) é mal desenvolvido e de solução muito fácil, desperdiçando o potencial dramático da relação entre ambos.
“Lightyear” é um filme bem menos autoral do que “Soul”, “Luca” ou “Red: Crescer é uma fera” (para ficar nos recentemente lançados direto no streaming), mas se garante por seu apelo pop sustentado por tudo o que “Toy Story” representa no imaginário popular - não se trata de um filme para crianças, mas para adultos que cresceram com "Toy Story" sendo parte de suas vidas. Por trás da aventura segura há um filme interessante que presta homenagens a clássicos da ficção científica e até a algumas obras mais recentes, tudo isso com uma roupagem de blockbuster noventista que nunca convence, mas diverte.
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