“O difícil de ter uma doença mental é que querem que se comporte como se não tivesse nada”. A frase dita por Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) em “Coringa” viralizou após o primeiro trailer do filme de Todd Phillips, obra que, a sua maneira, lida com a forma como a sociedade trata seus párias. A frase também é dita em determinada altura de “Loucura de Amor”, comédia romântica espanhola recém-lançada pela Netflix, filme que curiosamente tem o mesmo pano de fundo do sucesso protagonizado pelo vilão da DC, mas que obviamente segue caminhos bem diferentes.
“Loucura de Amor” tem início frenético. Em uma noite, em um bar, Adri (Álvaro Cervantes) conhece Carla (Susana Abaitua) e tem com ela a melhor noite de sua vida. Os dois saem do bar, invadem um casamento, dormem juntos e se separam sem trocar telefones. Adri fica obcecado em encontrar aquela mulher, mas não a encontra em rede social alguma. Após achar uma receita de remédio no bolso do casaco esquecido por ela, ele acaba descobrindo que ela está em uma instituição de tratamento psiquiátrico.
Sem conseguir entrar na instituição para falar com Carla, Adri tem uma ideia de jerico - o que seria do cinema sem elas, afinal? Ele resolve se internar para enfim ter acesso à moça. Lá dentro, descobre que ela sofre de psicose maníaco-depressiva, o popular transtorno bipolar, e que a conheceu durante um pico de euforia.
Adri passa a conviver ao lado de pessoas com distúrbios variados, mas, como boa parte da sociedade, tem uma visão muito distorcida sobre essas pessoas. Em um primeiro momento, parece uma simples história de um novo elemento que altera o ambiente e também é alterado por ele, mas o filme, mesmo sendo uma comédia romântica, foge um pouco do que se espera dele.
Neste ponto, “Loucura de Amor” parece caminhar por um caminho equivocado - internado, Adri pronuncia frases como um livro de autoajuda ambulante: “você pode melhorar, é só querer, basta acreditar”. A princípio, pela maneira como a narrativa se desenvolve, parece realmente que o filme seguirá essas crenças, mas as viradas do eficaz roteiro trazem os personagens de volta à realidade.
“Loucura de Amor” é muito eficiente em fazer o espectador entender como suas verdades sobre as doenças psicológicas são em boa parte equivocadas. Na pele de Adri, enxergamos o mundo como ele enxerga, uma visão provavelmente compartilhada com parte do público, mas logo percebemos estar errados. O filme dirigido por Dani de la Orden, conhecido por dirigir episódios da série “Elite”, é esperto ao alternar o ritmo narrativo para que entendamos, assim, como funciona o transtorno de Carla - da euforia frenética dos primeiros momentos (e de outros à frente) à calmaria quase depressiva de outros.
O filme ainda tem algumas subtramas que emocionam, como a de Saúl (Luis Zahera), um interno com quem Adri divide o quarto. A relação entre os dois talvez seja a que mais exemplifica o quão equivocado é o “basta querer”, pois Saúl está ali, longe de tudo o que ama, e não pode controlar seu transtorno.
Apesar de todo o tom sério que este texto talvez deixe a entender o que filme tem, vale lembrar que “Loucura de Amor” é uma comédia romântica com direito a todos os clichês do gênero, ela apenas usa como pano de fundo um assunto que merece ser mais debatido e o faz com qualidade. Os pacientes não são tratados pelo texto como alívio cômico, pelo contrário, eles servem para despertar a nossa empatia e nos fazer olhar com outros olhos. A transformação de Adri é a transformação que o texto espera que o espectador tenha ao longo do filme.
“Loucura de Amor” é ótimo no que se propõe a ser, um filme divertido, comovente, com conteúdo e pés no chão - quando parece partir para uma romantização da doença, mostra quão dura ela pode ser não apenas para quem sofre com ela, mas também com as pessoas ao redor.
O filme de Dani de la Orden, com roteiro de Eric Navarro e Natalia Durán, é exemplo de que é possível ser fofinho e divertido, oferecer uma fuga da realidade, sem esquecer que o público precisa se identificar com as histórias e os personagens para se sentir parte daquilo que vê em tela. “Loucura de Amor” não faz nada novo além de oferecer uma boa história com personagens críveis. Às vezes é o bastante.
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