Um dos melhores filmes brasileiros recentes chega nesta quarta (24) à Netflix. “M-8: Quando a Morte Socorre a Vida”, de Jeferson De (“Bróder”) teve lançamento restrito nos cinemas no final de 2020, mas pouca gente viu. O filme também chegou a constar na lista de brasileiros na disputa por uma vaga no Oscar, prêmio para o qual, inclusive, teria mais chances que o selecionado, “Babenco - Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou”, que acabou ficando de fora da disputa. Mesmo assim, pouco se ouviu falar dele.
“M-8” acompanha a jornada de Maurício (Juan Paiva), um jovem negro, morador da periferia do Rio de Janeiro, que ingressa no curso de Medicina da Universidade Federal como cotista. Único negro de sua turma, ele logo percebe pessoas como ele não como estudantes ou professores, mas como funcionários da limpeza no ambiente acadêmico.
Maurício cria vínculos com alguns colegas, mas se identifica mesmo é com M-8 (Raphael Logam), um corpo que utilizará nas aulas de anatomia - assim como ele, o corpo é um jovem negro. A obsessão de Maurício em descobrir quem é aquela pessoa o leva a caminhos improváveis, mas também a questionar as escolhas que o levaram até a universidade.
Baseado no livro homônimo de Salomão Polakiewicz, “M-8” é um filme de camadas. Mesmo tendo o preconceito racial como fio condutor da trama, o roteiro se esquiva de clichês. O texto alterna entre a sutileza e a exposição, quebrando algumas expectativas da audiência. Em determinado momento, quando Maurício e Suzana (Giulia Gayoso) se aproximam da casa do jovem, o medo de sua amiga rica é visível, mas o roteiro desconstrói o estigma de que o bairro é perigoso apenas por ser mais simples: “Fica tranquila, é só um bairro humilde”, pondera Maurício. Em contrapartida, o roteiro deixa a sutileza de lado quando ressalta as agruras diárias da população negra no Brasil.
“M-8” conta com boas atuações de forma geral, mas a de Mariana Nunes se destaca. A atriz vive Cida, mãe de Maurício, uma auxiliar de enfermeira que se sacrificou para dar condições de seu filho entrar na universidade federal e seguir o sonho de ser médico. Um diálogo entre mãe e filho no terceiro ato do filme é de uma força impressionante principalmente no momento em que a palavra “militância” tem sido usada de forma equivocada.
É interessante como o filme alterna entre narrativas de tons diferentes, uma mais social e a outra, jovem, mas talvez essa seja a intenção. Mesmo mostrando que um jovem negro tem capacidade de estar junto aos brancos, vivendo o início da vida adulta em uma universidade e se divertindo em festas com os colegas, “M-8” nunca demora a trazer Maurício de volta à realidade; ele pode dividir o espaço, mas sua vida nunca será como a dos amigos brancos e ricos.
A alternância de tons narrativos causa problema para a edição do filme, que às vezes se atropela e não dá tempo para que o espectador mergulhe em um ou outro momento da trama, mas isso é detalhe. “M-8” ainda merece destaque por sua linguagem. O filme de Jeferson De não é novelesco à lá Globo Filmes, mas tampouco se aproxima do cinema de arte restrito a festivais. “M-8” é cinema comercial e com conteúdo, é arte para alcançar as massas; um filme forte, que faz pensar e pega o espectador meio de surpresa com os caminhos que escolhe seguir.
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