Crítico de cinema e séries, Rafael Braz é jornalista de A Gazeta desde 2008. É também colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e apresenta semanalmente o quadro Em Cartaz

"Máfia da Dor": Emily Blunt e Chris Evans não salvam filme da Netflix

"Máfia da Dor" tenta ser um "Lobo de Wall Street" sobre a crise dos opioides, mas não chega nem perto disso. Emily Blunt é quem salva o filme da mediocridade

Vitória
Publicado em 27/10/2023 às 08h03
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Filme "Máfia da Dor", da Netflix, lida com a crise dos opioides nos EUA. Crédito: Brian Douglas/Netflix

O nome e a premissa de “Máfia da Dor” talvez lhe soe familiar. O filme da Netflix é mais uma obra a tratar da crise dos opioides nos EUA e até tenta fazê-lo de forma diferente, mas sem sucesso. Todo o aspecto “real” que garantiria força ao filme de David Yates já foi abordado com mais competência em “Dopesick” (disponível no Star+) e no documentário “O Golpe do Século” (HBO Max), além da série “Império da Dor”, da própria Netflix.

Baseado em um artigo escrito no “New York Times” por Evan Hughes, o filme busca uma narrativa atrativa. Emily Blunt é Liza, uma mãe solteira que vive de favor na casa da irmã com a filha (Chloe Coleman) e a mãe (Catherine O’Hara). Ela trabalha numa boate de strip quando recebe do bonitão Pete (Chris Evans) uma proposta meio ébria para trabalhar em uma startup farmacêutica e ganhar muito dinheiro. Para a surpresa de Pete, ela aceita a proposta e logo começa a se destacar sem grandes dificuldades – Liza é inteligente e logo impressiona todo mundo com um mix de sagacidade e sedução.

Apesar de ter a ótima Emily Blunt no centro da ação, “Máfia da Dor” pouco se preocupa com Liza além do que foi dito no parágrafo anterior. Yates tenta criar uma espécie de “O Lobo de Wall Street” da indústria farmacêutica, mas sua tentativa é frustrada; o diretor, famoso por filmes do universo "Harry Potter", não é Martin Scorsese. Além disso, o roteiro de Wells Tower busca caminhos sempre seguros, se preocupando muito com a indústria e pouco com as pessoas, afastando do filme qualquer traço de humanidade além de Liza, que ainda recebe um tratamento superficial.

Sem o lado humano em jogo, é difícil para o espectador se conectar com o que vê em tela, com aqueles personagens tão distantes, o que é uma pena, pois Blunt, como sempre, vai muito bem quando o texto lhe dá oportunidades. O filme também carece de um cuidado estético, principalmente se levarmos em conta uma atriz e um ator de primeiro escalão em tela. “Máfia da Dor” não parece cinema, mas um filme feito para o streaming, com fotografia dura, muita luz branca e pouca criatividade – nem a decisão de intercalar a narrativa com algumas entrevistas dos personagens ajuda com uma nova dinâmica.

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Filme "Máfia da Dor", da Netflix, lida com a crise dos opioides nos EUA. Crédito: Brian Douglas/Netflix

Essas entrevistas funcionam como uma maneira de “apressar” o texto e fazer com que ele dê grandes saltos narrativos. O recurso deixa o filme didático e cheio de exposição a partir dos depoimentos dos entrevistados, que explicam o que já foi mostrado em tela e preenchem as lacunas dos saltos temporais, evitando que o público tenha qualquer trabalho com isso.

“Máfia da Dor”, até mais que “Império da Dor”, transforma a crise de opioides em um espetáculo a ser consumido, sem nunca conseguir transmitir o peso dessa epidemia. Emily Blunt é o que salva o filme da mediocridade, com uma protagonista carismática que segura toda a carga emocional de um filme quase sempre vazio.

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