“A realidade às vezes é mais estranha que a ficção”. A frase cunhada por Mark Twain e mais tarde cantada pelo Bad Religion nunca fez tanto sentido quando durante os momentos em que eu assistia à minissérie documental “A Máfia dos Tigres” (“Tiger King”, no original), da Netflix.
Dividida em sete episódios de cerca de 50 minutos cada, a série é um mergulho em um mundo de brigas de egos e bizarrices, um universo também conhecido como o dos amantes e colecionadores de grandes felinos.
Alguns números sobre o assunto impressionam: existem entre 5 e 10 mil tigres em cativeiro só nos EUA - para se ter uma noção pouco menos de 4 mil vivem soltos no mundo. Muitos desses animais vivem em zoológicos ou centros de preservação, mas outros são propriedade dos tais amantes de felinos, sujeitos com muito dinheiro, personalidades exóticas e que agem totalmente à margem da lei.
O título nacional da série dá a entender um mergulho mais macro, um conteúdo de denúncias sobre a tal “máfia”, e talvez tenha sido assim que a ideia começou, mas a verdade é que “Tiger King” é um estudo de um personagem: Joseph Maldonado-Passage, o autodeclarado Joe “Exotic” e autoapelidado “Rei dos Tigres”.
Joe é um sujeito único, um showman ególatra, louco por armas e proprietário de um dos maiores parques não só de felinos, mas de animais selvagens dos EUA. Controlador, exibido e carismático, Joe lança discos country, tem relacionamentos amorosos poligâmicos, normalmente com rapazes héteros e mais novos, tudo isso enquanto gerencia o parque e tenta uma carreira de youtuber.
Logo no primeiro episódio, já aprendemos que ele está preso por tentativa de homicídio contra Carole Baskin, uma defensora dos direitos dos animais que também conheceremos mais a fundo com o desenvolver da narrativa. Ao longo da série, vamos acompanhando o crescimento dessa rixa, algo que ultrapassa o bem-estar dos felinos.
Além de Joe e Carole, conhecemos também outras figuras do mesmo universo, como Bhagavan “Doc” Antle, que comanda um zoológico que é quase um mix de culto religioso-sexual e animais exóticos, e Mario Tabraue, famoso por ser o “Tony Montana da vida real”, em referência ao personagem de Al Pacino em “Scarface” (1982), comparação que diz muito sobre ele.
Os diretores Eric Goode e Rebecca Chaiklin acompanharam esses personagens por cinco anos e presenciaram algumas transformações em suas histórias e personalidades. A perseguição de Carole e a visibilidade conquistada por ela deixaram Joe transtornado - mesmo a história sendo real, não vale entrar em spoilers aqui para não estragar nenhuma surpresa.
Ritmo de thriller
O grande mérito de “Tiger King” é sua condução. A narrativa é fácil, pop, com personagens e intrigas reais, mas deixa o espectador se perguntando como pode aquilo tudo ser tão absurdo e aquelas pessoas tão… talvez ridículas seja a melhor definição. A série também acerta ao não escolher lados; por mais que Joe seja uma presença magnética em tela e o protagonista (a série, afinal, leva seu apelido), o roteiro nunca justifica seus atos. Todo momento de criação de empatia, por exemplo, é seguido de algum contraponto, uma atitude dele ou uma fala de outro entrevistado.
Os diretores desenvolvem bem cada um dos personagens que colocam em tela, revelando com a cadência certa os detalhes fundamentais da trama. É interessante como a minissérie usa recursos de dramaturgia como reviravoltas e ganchos para que seu espectador não queira abandoná-la; o formato pode ser de documentário, mas o ritmo é de um thriller.
“Tiger King”, funciona, na verdade, como um grande suspense embalado por histórias incríveis. Apesar de ter um crime como seu catalisador, ele não é o foco da narrativa. O que a move é uma história sobre personagens complexos, exagerados, movidos pelo status e pela total falta de senso de ridículo; há momentos policiais com clima de “whodunnit”, mas há também drama e encantamento. A minissérie documental da Netflix é uma verdadeira jornada ao absurdo, um mergulho em personalidades que, se criadas pela ficção, seriam tidas como exageradas.
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