Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Malcolm & Marie", da Netflix, é visualmente lindo, mas artificial

Estrelado por Zendaya e John David Washington, "Malcolm & Marie", da Netflix, é um espetáculo visual, mas peca pela artificialidade de seu texto

Vitória
Publicado em 04/02/2021 às 23h05
Atualizado em 04/02/2021 às 23h05
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John David Washington e Zendaya em "Malcolm & Marie". Crédito: DOMINIC MILLER/NETFLIX

Ao escrever sobre “História de um Casamento”, de Noah Baumbach, um dos meus filmes favoritos dos últimos anos, utilizei como fio condutor a letra da música “Accident Prone”, do Jawbreaker, que pergunta: “quão cruel você pode ser com aquele que você diz amar?”. O filme lançado pela Netflix conta a história do fim de um relacionamento e, em cena que até virou meme, os personagens de Adam Driver e Scarlett Johansson discutem rispidamente com o intuito único de ofender e machucar um ao outro.

“Malcolm & Marie”, que chega nesta sexta (5) à Netflix, é como pegar essa cena de “História de um Casamento” e transformar em um filme de 100 minutos. Dirigido por Sam Levinson (“Euphoria”), o texto acompanha o casal obviamente formado por Malcolm (John David Washington) e Marie (Zendaya) durante uma noite, logo após a elogiada estreia do novo filme dirigido, escrito e produzido por ele.

Quando eles chegam em casa, algo não está legal - a euforia verborrágica dele contrasta com o silêncio e os sorrisos amarelos dela. Algo aconteceu, mas não sabemos ao certo o que foi - tampouco sabe Malcolm. O que presenciamos a seguir é uma grande discussão com idas e vindas, altos e baixos, alternando amor e ódio, desprezo e admiração.

Todo filmado em preto e branco (durante a pandemia) e cheio de granulação, “Malcolm & Marie” é totalmente sustentado pelas atuações dos protagonistas. John David Washington alterna explosões, tanto de felicidade quanto de raiva, com momentos de pura crueldade - Malcolm é extrovertido, um cineasta às vésperas de explodir em Hollywood, mas um sujeito que se coloca acima do bem e do mal. É interessante, por exemplo, ver como ele lida com uma crítica positiva a seu filme; é difícil para ele aceitar que tenham uma visão diferente da obra dele, o que claramente é refletido em sua vida pessoal.

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John David Washington e Zendaya em "Malcolm & Marie". Crédito: DOMINIC MILLER/NETFLIX

Ao mesmo tempo, Zendaya entrega uma atuação contida, mas afiada. Maria é uma mulher jovem, mas vivida. Vamos descobrindo seu passado e como ele se relaciona com a situação vista em tela. Sam Levinson conhece a atriz, sabe enquadrá-la e explorar o que ela tem de melhor. Zendaya consegue ser ligeira e pontual quando Marie precisa, mas apresenta uma fragilidade até física em cena, uma característica também explorada pelo roteiro.

“Malcolm & Marie” é um espetáculo visual, com enquadramentos perfeitos e frames que poderiam tranquilamente ser impressos e utilizados como decoração. O preto e branco, que pode afastar um pouco o público, funciona para conferir intimidade àquele momento - tendo acabado de assistir ao filme, ainda com as cenas em mente, é inevitável pensar que talvez não funcionasse tão bem em cores. Méritos para o diretor de fotografia Marcell Rév.

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John David Washington e Zendaya em "Malcolm & Marie". Crédito: DOMINIC MILLER/NETFLIX

O filme de Sam Levinson às vezes parece um grande exercício de estilo. O texto parece dar voltas com breves respiros entre discussões, ou melhor, entre fases diferentes da mesma discussão que ainda aborda, mesmo superficialmente, temas como  a indústria de cinema, a crítica cinematográfica e muitas piadas internas e referências de metalinguagem. 

O roteiro, também de Levinson, é duro, com bons diálogos que nem sempre soam naturais. Zendaya se sai melhor na naturalidade, pois sua personagem é mais contida, mas John David Washington abraça a caricatura em algumas cenas de mais verborragia. Malcolm e Maria se provocam o tempo todo. Inicialmente há um receio de serem cruéis um com o outro, mas essa barreira logo é superada. Isso faz de “Malcolm & Marie” um filme não muito fácil, uma narrativa sustentada quase unicamente por diálogos, mas que ironicamente lida com a falta de comunicação de seus protagonistas, com as palavras não ditas e os incômodos relevados ao longo do tempo.

O exagero, talvez, seja condensar toda a história em uma noite, sem que possamos conhecer aqueles personagens de forma mais natural ao invés de nos envolvermos com eles em uma situação de extremos. “Malcolm & Marie” pode ser considerado “vazio” ou, como já li, “cheio de nada”, mas não creio que sejam argumentos justos - o filme de Sam Levinson peca por sua artificialidade em alguns momentos, mas não deixa de oferecer uma experiência interessante.

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