Quando foi anunciada, em meados de 2021, “Maldivas” parecia ser uma típica série produzida na pandemia, uma trama em um condomínio fechado filmada com elenco enxuto e com restrições sanitárias. Se deu certo com a boa “Desjuntados”, da Amazon, por que não daria com algo similar na Netflix?
A verdade é que “Maldivas” foi, sim, filmada durante a pandemia, entre novembro de 2020 e setembro de 2021, com vários adiamentos, mas a série criada por Natalia Klein tem aspecto mais grandioso mesmo que se feche praticamente toda em torno do condomínio que dá título à trama. Klein faz bom uso das limitações impostas para criar uma sátira da vida de ricos fechados em seus mundinhos como se nada além daquilo importasse, intenção que fica clara quando, em uma reunião de condomínio, um vídeo sobre o novo esquema de segurança exibe a frase “o mundo está acabando lá fora, mas você não tem culpa” - além disso, nada representa mais os novos ricos brasileiros do que as Maldivas?
A série bebe na fonte de obras como “Good Girls”, “Desperate Housewives” e “Big Little Lies”, colocando as mulheres no centro da ação e o tempo todo comandando o roteiro. A narrativa se abre com um choque, um incêndio mata Patrícia (Vanessa Gerbeli), uma das moradoras do condomínio, mas o que realmente teria acontecido ali?
O episódio inicial nos apresenta às protagonistas - Milene (Manu Gavassi), síndica do prédio e esposa perfeitamente modelada pelo marido, Victor Hugo (Klebber Toledo), um famoso cirurgião plástico; Kat (Carol Castro), uma dona de casa cujo marido cumpre prisão domiciliar por lavagem de dinheiro; Rayssa (Sheron Menezzes), uma ex-estrela do axé nos anos 1990; e Verônica (Natalia Klein), a narradora da história e uma mulher que nada tem a ver com as colegas de condomínio. Não demora para conhecermos também a goiana Liz (Bruna Marquezine), o novo elemento naquele ambiente, que vai ao Rio de Janeiro para tentar reencontrar a mãe, a tal vítima do incêndio que abre a série.
O início de “Maldivas” é bem eficiente ao apresentar possíveis motivações daquelas mulheres para matar a colega de condomínio. Todas são suspeitas na investigação conduzida pelo detetive Denílson (Enzo Romani). O texto também é ótimo ao já dar alguma profundidade às protagonistas desde o início, com alguns arcos bem interessantes e outros mal desenvolvidos.
O relacionamento de Rayssa e Cauã (Samuel Melo) é uma surpresa, subvertendo um pouco a expectativa do público; da mesma forma, o distanciamento de Milene e Victor Hugo oferece bons pontos na discussão sobre a busca pela perfeição estética. Em ambos os casos, o texto aproxima o espectador das personagens. Em contrapartida, o roteiro opta por algumas soluções fáceis e coincidências, além de deixar alguns arcos incompletos - o que também pode ser uma opção para já ter ganchos para uma possível e merecida segunda temporada.
A mistura de comédia com thriller de “Maldivas” funciona surpreendentemente bem. O texto de Natalia Klein é ótimo, com bons diálogos e espaço para humor de forma orgânica, brincando com os absurdos tão reais da vida daquelas pessoas - sarcástica por natureza, Manu Gavassi é perfeita para o papel. A narração em off, mesmo sendo responsável por um excesso de exposição em alguns momentos, liga o espectador à trama, que, ironicamente, tem no seu mistério principal seu lado menos interessante.
Como acontece em alguns suspenses, como as adaptações dos livros de Harlan Coben para a Netflix (“Confie em Mim”, "Fique Comigo”, etc.), boa parte das reviravoltas depende de uma atuação nem sempre esperta dos investigadores. Em determinada cena, para conferir protagonismo à personagem de Bruna Marquezine, Liz em poucos minutos descobre uma pista óbvia que ninguém viu antes, tudo justificado com um “você acha que eu não assisto ‘CSI’” proferido alguns episódios antes.
Quando tenta se levar a sério demais, “Maldivas” perde um pouco de seu charme. A série é melhor quando se comporta como a sátira que é, uma comédia de segredos e costumes que mergulha na intimidade de novos ricos em seus condomínios supostamente impenetráveis e nas relações, talvez o único traço de humanidade dessa espécie. Com um visual único, boa trilha sonora, boas personagens e atuações, a série de Natália Klein é uma ótima surpresa.
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