Ao acabar de assistir a “Me Sinto Bem Com Você”, já tinha um título deste texto em mente: “O filme definitivo sobre a pandemia”. Algumas horas depois, no entanto, durante uma conversa com o diretor Matheus Souza, ele fez questão de ressaltar que não vê seu filme como uma obra sobre a pandemia, mas sim sobre pessoas e relações humanas. E Matheus tem razão. “Me Sinto Bem Com Você”, que chega nesta quinta (20) à Amazon Prime Video, é um filme que evoca sentimentos ao aproveitar tudo o que está “lá fora” e se voltar para dentro de cada um, para as relações humanas.
Escrito e dirigido por Matheus Souza, o filme conta cinco histórias diferentes de relações na pandemia - nenhuma relação com a péssima série “5x Comédia”. Há a história de um casal de ex-namorados, vividos por Matheus e Manu Gavassi, que volta a se falar após um término complicado; a de um jovem casal, Thati Lopes e Victor Lamoglia (companheiros na vida real), que vê o desgaste do isolamento e do convívio diário; a de dois jovens em um relacionamento de sexo casual; a de duas irmãs se reaproximando após a morte da mãe; e a de duas jovens que se envolveram pouco antes da pandemia e agora tentam manter o relacionamento se apaixonando e se conhecendo de maneira não-presencial.
O escopo utilizado por Matheus é amplo. “A ideia veio das ligações de chamadas de vídeo que eu vinha fazendo com minha mãe”, conta Matheus, em entrevista por vídeo. “O resto foi um apanhado de experiências e histórias, algumas coisas minhas, algumas de outros”, completa o diretor que diz ter desenvolvido uma paixão por K-pop durante o período de isolamento social.
“Me Sinto Bem Com Você” foi idealizado e filmado durante a pandemia, com equipe reduzida e todos os núcleos trabalhando separados. “Eu trabalhei para manter a sanidade, por isso comecei a escrever o filme. Foi bom trabalhar novamente sem uma pressão, sem um prazo. Eu já tinha entregado todos os meus compromissos de texto, então pude me dedicar a ele. Acho que é a primeira vez desde o ‘Apenas um Fim’ que eu fiz um filme sem as pessoas saberem que eu estava fazendo um filme (risos)”, conta Matheus.
A citação de “Apenas um Fim” (2008) no parágrafo anterior não é gratuita. “Me Sinto Bem Com Você” guarda com o filme de estreia de Matheus mais semelhanças do que apenas seu diretor. Mesmo sendo tratados pelo roteiro como Ele e Ela, os personagens de Gregório Duviviver e Érika Máder no filme de 2008 se chamam Antonio e Adriana, como é revelado em certo momento do filme. No arco de Matheus e Manu Gavassi em “Me Sinto Bem Com Você”, advinha como os personagens se chamam?
“Você é a primeira pessoa que me pergunta sobre isso… Não é uma coincidência. 'Me Sinto Bem com Você’ não é uma sequência de ‘Apenas o Fim’, mas é uma sequência ‘espiritual’”, brinca Matheus. De fato, ambos os filmes tratam de relacionamentos oferecendo ao espectador um papel de voyeur no fim, na construção ou na solidificação de uma intimidade.
“Me Sinto Bem com Você” é um filme delicado e intimista, um texto que deve “bater” diferente em cada espectador justamente por oferecer arcos diferentes. Já citado, o protagonizado por Matheus e Manu Gavassi talvez seja o mais redondo. Durante os diálogos entre os dois, o filme usa o recurso de mostrar em tela mensagens trocadas pelo casal em uma velocidade difícil de acompanhar. A confusão gerada pela dificuldade de acompanhar as mensagens e os diálogos ao mesmo tempo retrata um pouco também do estado mental de ambos - o término da relação foi duro, mas em um momento de crise, é no outro que ambos buscam o conforto.
O sentimento de conforto é, na verdade, o grande protagonista do filme de Matheus. Nenhum personagem tem sua dor minimizada ou deixada de lado pelo roteiro, pelo contrário - até o personagem de Victor Lamoglia, inicialmente meio mala e que nos faz escolher o lado de Thati Lopes na relação, é compreendido e desperta simpatia com o desenvolvimento de seu arco.
“Me Sinto Bem com Você” se sustenta muito nas atuações e no texto. A troca ágil de referências e informações entre Matheus e Manu é ótima. “Eu adoro trabalhar com a Manu, ela tem um texto rápido, entende bem essa troca meio Tarantino, meio Tina Fey. Adoro trabalhar com atores que são autores”, conta Matheus, que diz agradar a mãe quando atua. “Ela vive falando pra eu atuar (risos), então o filme foi tipo aquela cena de ‘Um Grande Garoto’, quando o menino canta ‘Killing Me Softly’ e a mãe fica toda orgulhosa”, brinca.
Além deles, Thati e Victor demonstram ótima (e óbvia) química e o arco entre Richard Abelha e Amanda Benevides também é ótimo - o constrangimento do jovem ator ao tentar uma relação virtual é compartilhado com quem assiste ao filme. A troca entre as duas irmãs vividas por Isabella Moreira e Thuany Parente emociona... Enfim, é realmente difícil destacar um ou outro arco justamente porque eles funcionarão de maneira diferente para cada um.
Ao colocar diferentes relações em pauta, Matheus Souza deixa claro que sua intenção é falar de amor, de relações interpessoais diversas. “Me Sinto Bem com Você” é um filme que evita o óbvio em praticamente todos os seus arcos e, assim, abre espaço para a reflexão - há amor além do romântico, há relações além da que você considera 'correta', há possibilidades amorosas que vão muito além de um relacionamento padrão.
Matheus faz pensar sobre a construção do amor, mas também sobre o que entendemos ser esse sentimento tão abstrato que pode ser retratado de diversas formas. “Me Sinto Bem com Você”, ao fim, é puro amor, é o nosso “Amor nos Tempos de Covid”, sim, uma referência direta a um dos mais importantes livros de Gabriel García Marquez e uma referência que poderia se encaixar perfeitamente nos diálogos entre Antônio e Adriana. Um filme bonito, forte e que nunca subestima sua audiência e que mostra a evolução de Matheus como roteirista, de um jovem promissor escrevendo para um nicho a um cineasta capaz de criar uma obra sobre o que há de mais universal.
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