Quando se pretende utilizar uma fórmula batida para contar uma história, é necessário dar a ela uma nova roupagem. “Metal Lords”, da Netflix, obviamente não é a melhor ou a mais inovadora comédia romântica juvenil, até porque o gênero foi atropelado por obras como a ótima “Sex Education”, mas o filme traz um frescor travestido de heavy metal e uma trama em concordância com temas atuais.
No filme dirigido por Peter Sollett (“Nick & Norah: Uma Noite de Amor e Música”) e com roteiro de D. B. Weiss (“Game of Thrones” e a boa “The Chair”), conhecemos Kevin (Jaeden Martell) e Hunter (Adrian Greesmith), dois amigos em uma banda post-death metal doom. A dinâmica da amizade dos dois é curiosa; Hunter é um jovem que cresceu admirando bandas de metal e seus integrantes, um estudioso do gênero, enquanto Kevin encontra na música uma maneira de estar com seu amigo e não ser um solitário na escola.
Quando a escola anuncia uma batalha das bandas, a Skullfucker (banda dos protagonistas) precisa encontrar um baixista para completar sua formação, é quando Emily (Isis Hainsworth) entra na jogada. A jovem de poucos amigos toca violoncelo e atrai a atenção de Kevin, mas é ignorada por Hunter, que a considera “pouco metal”. A relação dos três logo ganha ares de um triângulo amoroso com Kevin no centro, mas “Metal Lords” subverte a fórmula e concentra seus encontros e desencontros na amizade de Kevin e Hunter.
É muito interessante como o filme mostra certa reverência e presta homenagem ao metal, mas também faz graça com seus dogmas e com o excesso de testosterona que as bandas de metal “venderam” ao longo de décadas ao mesmo tempo em que esbanjavam material gráfico homoerótico e posturas andróginas. O desafio é quebrar esses estigmas sem quebrar o respeito pelas bandas, e o filme consegue.
Hunter, por exemplo, se incomoda com a possibilidade de ter uma mulher na banda e assume uma postura bem arrogante e controladora não por acreditar piamente naquilo, mas porque essa foi a postura de seus ídolos diante das câmeras e nas páginas de revistas ao longo de décadas.
Em certo momento, com os hormônios à flor da pele, Kevin tem uma “conversa” com lendas do metal - a única voz sensata é a de Rob Halford, do Judas Priest, metaleiro que se declarou gay há mais de duas décadas. São esses detalhes que garantem o charme do filme e sua capacidade de admirar o passado enquanto percebe que os tempos mudaram. Esse, na verdade, é o grande conflito de “Metal Lords”: fazer com que o jovem metaleiro que despreza tudo o que não é “metal o suficiente” abra seus olhos para o mundo.
A estrutura já conhecida oferece ao espectador um conforto, fazendo com que saibamos para onde o filme caminha em todos os momentos. Assim, o texto pode se concentrar nas transformações dos personagens e em questões tratadas de maneira sutil. “Metal Lords” traz conflitos sobre saúde mental, família, amizade e relações familiares - nunca conhecemos o pai de Kevin, apenas citado, ou a mãe de Hunter, que mora com o pai, um cirurgião plástico milionário. Emily também tem seus próprios problemas e é curioso com o texto trata deles; inicialmente parece uma caricatura, mas ganha delicadeza quando a jovem se aproxima de Kevin.
O clímax do filme, obviamente na tal batalha de bandas, é ótimo ao tratar a música (e a arte) com a força transformadora que ela possui. É naquele momento, no palco, que Kevin, Hunter e Emily se mostram confortáveis e se encontram com suas essências, é na música que eles superam seus problemas e suas diferenças, é também onde Hunter aprender a compreender a arte como um todo e a ver que há muita música além do metal.
“Metal Lords” tem produção musical de Tom Morello (Rage Against The Machine) e talvez por isso reverencie tanto bandas como Black Sabbath, Metallica e Iron Maiden. É um filme simples, mas bem dirigido e com um bom roteiro, um “boy meets girl” com um pano de fundo metaleiro, e funciona.
O filme capta bem o não-pertencimento da adolescência e a importância da música e da cultura na construção da identidade individual. Ainda, o filme é muito eficaz ao reverenciar bandas antigas, mas renunciando de toda a nostalgia - “Metal Lords” é um filme que olha para frente, que reconhece a força de tudo o que aconteceu, mas sem negar o quanto alguns conceitos são ultrapassados.
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