Desde sua primeira “aparição”, em 1995, o Chupa-cabras se tornou parte da cultura pop muito impulsionado pelo potencial de galhofas com o nome que recebeu. Há relatos de pessoas que viram a criatura em vários pontos da América Latina, inclusive no Brasil, o que gerou até uma reportagem do “Domingo Legal”, em 1997, acompanhando país afora relatos de aparições.
Sua descrição era a de uma criatura bípede, de cerca de um metro e meio, com espinhos nas costas, longas garras e olhos grandes - uma imagem humanoide entre o alienígena e o monstruoso. Essa imagem foi recriada, com maestria, pelo cineasta capixaba Rodrigo Aragão em “A Noite do Chupacabras”, seu segundo longa-metragem (disponível na Amazon Prime Video via Looke).
A ideia de uma criatura visualmente assustadora, mas incompreendida, seria ouro na mão de um cineasta como Guillermo Del Toro, mas seu conterrâneo Jonás Cuarón (filho de Alfonso Cuarón, de “Gravidade” e “Filhos da Esperança”) escolheu outro caminho para “Meu Amigo Lutcha”, da Netflix, uma aventura família ao estilo “E. T: O Extraterrestre”, de Steven Spielberg.
“Meu Amigo Lutcha”, originalmente intitulado “Chupa”, ganhou esse título para fugir das óbvias piadas não muito maduras, mas a versão brasileira também já entrega um pouco o tom do filme. Logo de início conhecemos Alex (Evan Whitten), um adolescente de 13 anos às voltas com o luto pela morte do pai e com o bullying sofrido por ele na escola em função de sua origem mexicana. A ironia é que Alex nem sequer fala espanhol ou tem ligação com suas raízes latino-americanas; é por isso que sua mãe resolve enviá-lo para um período no México, na fazenda do avô, Chava (Demián Bichir), um famoso ex-”luchador”.
Na pequena San Javier, Alex conhece também os primos, Memo (Nickolas Verdugo) e Luna (Ashley Ciarra), com quem logo cria certa conexão a partir de elementos da cultura pop (a camisa das Tartarugas Ninja, os Beastie Boys…). O filme também logo introduz seu antagonista, o explorador Richard Quinn (Christian Slater, em personagem obviamente inspirado pelo Alan Grant de Sam Neill), que busca provar a existência do chupa-cabras para obviamente lucrar com isso.
Não demora para Alex entrar em contato com o chupa-cabras, mas ele é bem diferente do que as lendas contam - a mitológica criatura, tratada como lenda na cultura mexicana do filme, é fofinha, diferente de animais normais, mas longe de ser assustadora. Sua existência permanece em segredo por algum tempo, mas não demora para que a ânsia capitalista de Richard alcance a fazenda de Chava.
“Meu Amigo Lutcha” remete a Steven Spielberg desde o início e de forma não muito sutil. Principalmente durante o primeiro ato, quando busca a construção do universo, Jonás Cuarón filme como o diretor de “E.T” e até coloca um poster de “Jurassic Park” no quarto de Alex. Ainda, a trilha sonora de Carlos Rafael Rivera em muito lembra as trilhas de John Williams, parceiro de Spielberg em grandes clássicos.
A conexão de Alex e da criatura é imediata; o jovem sente a falta do pai e Lutcha foi separado de sua família na sequência que vemos na abertura do filme. Eles têm a dor e a solidão como ponto de encontro. “Meu Amigo Lutcha” é a história da reconexão de ambos com o mundo, de Alex com suas origens mexicanas e de Lutcha com sua família. A repetição da importância da família não é ao acaso, pois o filme de Jonás Cuarón é um produto voltado para a família toda, em suas qualidades e defeitos.
Falta, por exemplo, um pingo de desenvolvimento para o chupa-cabras - é uma criatura que se alimenta de sangue, mas é perigosa? Em uma cena, a tratam como uma divindade latina, mas é só isso. As crianças, mesmo se conectando, não têm o devido interesse do texto, carecendo de algo que fortaleça de fato as conexões que eles formam. Ironicamente, é Chava quem ganha algum desenvolvimento e se torna carismático diante de olhar do espectador, o que é potencializado pelo talento de Demián Bichir.
Adorável em alguns momentos e muito brega em outros, “Meu Amigo Lutcha” traz boas ideias, mas peca pela falta de ousadia, resultando em um filme confortável, mas previsível. É interessante, porém, o que Jonás Cuarón entrega com poucos recursos, com momentos de encantamento genuíno, uma computação gráfica razoável e um bom ritmo de blockbuster de verão. A impressão é de que, com um texto melhor em mãos, o cineasta seria capaz de entregar algo realmente bom, mas ainda não foi dessa vez.
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