Nas mãos de um diretor com mais talento para contar uma história delicada, “Meu Policial” (“My Policeman”), lançado pela Amazon Prime Video, tinha tudo para ser um drama poderoso, um filmaço potencializado por seu protagonista, o astro Harry Styles, mas as coisas não são assim tão simples. Nas mãos de Michael Grandage, a história de um policial que se apaixona por outro homem em uma época em que a homossexualidade era proibida no Reino Unido é um drama raso e com atuações no limite do constrangedor.
“Meu Policial” adapta para as telas o livro homônimo de Bethan Roberts. Com uma estrutura de linhas temporais distintas, a história se passa na litorânea Brighton. Na década de 1990, somos brevemente introduzidos a Patrick (Rupert Everett), um homem doente, que requer cuidados, e acaba de chegar à casa de Tom (Linus Roache) e Marion (Gina McKee). Há entre eles uma história não resolvida, e é por isso que logo somos levados a 1957, e reapresentado aos personagens que acabamos de ver, agora no início de suas vidas adultas.
Tom Burgess (Harry Styles), um policial em início de relacionamento com Marion (Emma Corrin). Eles conhecem Patrick (David Dawson), um curador de artes um pouco mais velho, e criam um vínculo imediato indo sempre juntos a jantares, viagens e concertos - eles funcionam como um trio, mas a dinâmica muda quando Tom e Marion ficam a sós.
A narrativa não-linear nos conduz por idas e vindas temporais, utilizando o desconforto do futuro para criar alguma tensão no arco do passado. Tudo se torna bem didático quando a Marion do futuro encontra o diário de Patrick. O texto então passa a nos mostrar as anotações do curador em sequências que trazem o primeiro contato entre ele e Tom e o surgimento da paixão entre eles. Logo depois algumas peças se encaixam e entendemos que o que havia sido mostrado antes, em 1957, eram as memórias de Marion sobre o relacionamento dela com Tom.
É necessário ressaltar que ser gay era ilegal na Inglaterra até 1967 (na Escócia, foi até 1980 e na Irlanda do Norte, até 1982), então estar “no armário” não era apenas uma questão de costumes, mas também de sobrevivência - gays eram presos e quimicamente castrados, como o matemático Alan Turing, mostrado no bom filme "O Jogo da Imitação"(disponível na Netflix), por exemplo. Por isso, Tom busca o casamento de fachada para manter as aparências, pois ninguém poderia desconfiar da tórrida relação entre ele e Patrick.
“Meu Policial” tem ótima premissa, mas problemas enormes. É quase irônico como Grandage prefere focar nas (intencionalmente?) constrangedoras cenas de sexo entre Tom e Marion enquanto opta por mostrar a relação central quase como um vídeo clipe, cheio de estilo, com cortes relativamente rápidos e sempre com música ao fundo, dando à narrativa um ar romanceado e eliminando dela ares de um romance proibido, de algo mais forte.
Alguns conflitos trazidos pelo texto são artificiais e perdem ainda mais força com a atuação de Harry Styles. Ainda em estágios iniciais de sua carreira como ator, o músico carece de naturalidade em sua atuação e declama textos decorados, sem dar a devida entonação ou o peso necessário às cenas. As discussões entre Tom e Marion são quase constrangedoras, mas surpreendentemente, talvez até pela incapacidade de Styles de se conectar com o material, funciona relativamente bem; já nas cenas de Tom com Patrick, personagens que deveriam ter uma química única para conduzir a história de amor, Styles não acompanha Dawson, um ator expressivo e com muito mais experiência.
Ainda assim, o grande problema de “Meu Policial” é a péssima combinação entre roteiro e direção. Mesmo com ótimos atores interpretando o trio de protagonistas no futuro, o texto e o diretor parecem tratá-los como personagens diferentes, como se não tivessem vivido o que o filme mostra no arco dos anos 1950. Assim, assistimos a Marion se surpreendendo com algumas “descobertas” do diário, mas o filme acabou de mostrar que ela já sabia do ocorrido há décadas - em uma cena, ela se surpreende ao ler uma passagem que literalmente foi lida para ela no passado.
“Meu Policial” poderia ser um drama pesado sobre relacionamentos homoafetivos e sobre viver escondendo quem se é, mas o filme nunca consegue sequer se aproximar do potencial do material original. A discussão acerca dos gays no Reino Unido, por exemplo, é superficial e o conflito é utilizado apenas para colocar o texto em movimento. Da mesma forma, o roteiro pouco explora a dor de Tom no futuro após décadas se escondendo e apenas ensaia, em um breve diálogo, os sentimentos de Marion. Ang Lee, um cineasta muito mais talentoso, transformou uma história similar em um dos grande romances das últimas década, “O Segredo de Brokeback Mountain”. Como dito no parágrafo que abre este texto, o problema não é a história, mas a maneira que ela é contada.
Ao fim, falta tensão e peso dramático não apenas a Harry Styles, que é quem vai garantir a audiência do filme, mas a “Meu Policial” como um todo. Michael Grandage mostra ser um diretor sem a sutileza necessária para contar uma história como a do livro de Bethan Roberts, e perde, assim, a possibilidade de entregar um filme poderoso.
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