Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Minha Culpa": Drama da Amazon subestima inteligência do público

Adaptação do fenômeno literário da internet, "Minha Culpa", da Amazon Prime Video, parece uma mistura de tudo o que um idoso entende por "cultura jovem"

Vitória
Publicado em 06/06/2023 às 18h45
Filme
Filme "Minha Culpa", da Amazon Prime Video, adapta livro fenômeno no WattPad. Crédito: Pablo Ricciardulli/Divulgação

A escritora argentina Mercedes Ron ficou famosa ao lançar, em 2015, o romance “Culpa Minha”, primeira parte do que viria a ser a trilogia “Culpados”, completada com “Culpa Sua” e “Culpa Nossa”. O livro foi lançado no Wattpad, plataforma gratuita de escrita e compartilhamento de textos na qual já se tornaram fenômenos obras como “After”, “A Cabine do Beijo” e “Através da Minha Janela”, todas devidamente transformadas em filmes.

Não é difícil entender o apelo desses livros para os estúdios por serem textos de simples adaptação, que não pedem grande orçamento e, principalmente, virarem filmes que já nascem com um grande número de fãs. Tal qual vários outros sucessos do Wattpad, “Culpa Minha” obviamente virou filme produzido pela Amazon Studios, com estreia em 8 de junho na Amazon Prime Video, apenas invertendo as palavras do título.

Dirigido pelo espanhol Domingos González, “Minha Culpa” acompanha Noah (Nicole Wallace), uma jovem de 17 anos obrigada a se mudar para o outro lado do país para morar com o novo marido da mãe, Rafaella (Marta Hazas), e sua família, deixando amigos e namorado para trás. Tudo isso é devidamente explicado nos minutos iniciais do filme, em uma conversa entre mãe e filha no carro.

Chegando à nova casa, Noah se depara com uma realidade diferente e uma vida cheia de luxo, pois William (Iván Sánchez), seu padrasto, é um multimilionário. Ela também logo conhece seu “irmão”, Nicholas (Gabriel Guevara), um jovem alguns anos mais velho, lindo de morrer, mas também muito arrogante.

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Filme "Minha Culpa", da Amazon Prime Video, adapta livro fenômeno no WattPad. Crédito: Pablo Ricciardulli/Divulgação

À primeira vista, Nicholas é o filho perfeito, estudante de Direito, educado e admirado por todos. Não demora, porém, para Noah conhecer o verdadeiro “irmão”, um sujeito mulherengo, festeiro, que participa de lutas ilegais e de perigosas corridas de carros. Não é muito difícil imaginar o que se passa a partir desse encontro – do desentendimento inicial à atração, Noah enxerga o coração bom do “bad boy” Nicholas e o inevitável amor dos dois salva o rapaz do mau caminho.

“Minha Culpa” nunca faz questão de esconder seu material de origem. Tal qual o livro de Ron, o filme de Domingos González tem texto quase amador, muita exposição nos diálogos, coincidências e viradas ruins. Não há construção para as viradas e muitas vezes elas não fazem sentido algum, como a foto que Noah recebe no telefone ou a chegada do namorado na nova casa; a ideia é colocar o filme em movimento, mas autora/roteiristas parecem não saber ao certo como fazê-lo.

Filme "Minha Culpa", da Amazon Prime Video, adapta livro fenômeno no WattPad. Crédito: Pablo Ricciardulli/Divulgação
Filme "Minha Culpa", da Amazon Prime Video, adapta livro fenômeno no WattPad. Crédito: Pablo Ricciardulli/Divulgação

Na ambientação, “Minha Culpa” é risível, mas talvez funcione na cabeça de um adolescente. As corridas de rua parecem um cosplay de “Velozes e Furiosos”, inclusive na caracterização dos personagens, mas sem a mesma urgência na filmagem. A franquia protagonizada por Vin Diesel é referenciada mais de uma vez no filme, inclusive em seu clímax, uma sequência involuntariamente cômica.

Toda a tensão de “Minha Culpa” é construída a partir de ameaçadores bilhetes anônimos recebidos por Noah desde que chega à nova casa. O mistério, presente desde o início do filme, é resolvido no segundo ato em um diálogo nada natural – o texto é tão ruim que o diálogo é sucedido justamente pelo possível responsável pelos bilhetes assumindo tudo. O filme nunca se preocupa em explicar como os bilhetes surgiam do nada na vida de Noah, em lugares que o responsável por eles jamais conseguiria entrar sem ser visto. Não existe a preocupação em soar plausível, tudo o que o filme quer é se encaixar nos diversos modelos nos quais se inspira.

Apesar de todo cenário de corridas, brigas e ameaças, o motivo de “Minha Culpa” existir é o romance, e não é coincidência ele ter sido deixado para o final deste texto. Noah e Nicholas são insuportáveis e nunca há entre eles a faísca de um amor arrebatador além do fato de serem dois jovens bonitos morando na mesma casa. É até injusto falar que Wallace e Guevara não funcionam bem juntos quando eles têm em mãos um roteiro tão ruim. Assim, não há sutilezas na construção desse romance, sendo totalmente baseado em atitudes nem sempre muito boas. Há, durante essa construção, algumas boas cenas, como a de Noah e Nicholas na piscina, mas é tudo muito seguro, como idealizado por uma adolescente.

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Filme "Minha Culpa", da Amazon Prime Video, adapta livro fenômeno no WattPad. Crédito: Pablo Ricciardulli/Divulgação

“Culpa Minha”, o filme, é vítima do material original, mas tampouco não se esforça para fugir das muletas do livro. É fácil justificar uma obra ruim como sendo “para adolescentes” ou dizendo que “não sou público alvo”, mas a adaptação de Domingos González para o texto de Mercedes Ron parece não se preocupar com nada além de preencher o que o cineasta de quase 60 anos considera ser atrativo para o público jovem. Mesmo não sendo um primor literário, o livro de Mercedes Ron merecia um tratamento melhor nos cinemas.

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