Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Moraes Moreira tinha a genialidade e a sensibilidade dos raros

Músico baiano de 72 anos, fundador dos Novos Baianos, morreu enquanto dormia, na madrugada de segunda-feira (13), em decorrência de um infarto agudo no miocárdio

Publicado em 13/04/2020 às 14h13
Atualizado em 13/04/2020 às 16h56
Músico Moraes Moreira morreu aos 72 anos
Músico Moraes Moreira morreu aos 72 anos. Crédito: Ricardo Borges/Divulgação

Moraes Moreira

"Saudades do Galinho"

"Como é que ficam os meninos, essa nova geração? Arquibaldos, geraldinos, como é que fica o povão?"

 Antônio Carlos Moreira Pires, o Moraes Moreira, morreu enquanto dormia, em decorrência de infarto agudo no miocárdio, na madrugada de domingo para segunda (13), aos 72 anos, e ficará sempre marcado como um dos grandes da música brasileira.

Moraes tinha a genialidade inquieta de Tom Zé, que conheceu em Salvador ainda jovem, e a misturava à sensibilidade absorvida na convivência com João Gilberto - o pai da bossa nova foi um dos grandes responsáveis pelas mudanças na carreira de Moraes. João Gilberto foi quem mostrou a Moraes e aos outros Novos Baianos que era possível inserir uma brasilidade no rock que faziam. “Roubei muito acorde de João Gilberto. Ele ficava tocando e eu e o Pepeu (Gomes) só de butuca”, disse, em entrevista concedida em janeiro deste ano ao jornal “O Globo”

Foi essa mistura que deu origem ao impecável “Acabou, Chorare”, em 1972, um dos maiores discos da música brasileira (talvez o maior). Os jovens Novos Baianos vinham de um bom disco de estreia, “Ferro na Boneca”, mas ainda careciam de um tempero especial. A diferença de um trabalho para o outro é gritante; enquanto o primeiro é claramente sustentado pelo rock da época, mesmo com alguma influência latina, o segundo era algo especial desde os primeiros acordes de "Brasil Pandeiro", que abre o registro.

Com os Novos Baianos, ainda lançou “Novos Baianos F.C.” (1973), disco também criado no sítio em que viviam em Jacarepaguá e ainda mais calcado no samba e em ritmos brasileiros como baião, e “Novos Baianos” (1974), gravado e lançado quando a banda já havia se mudado para São Paulo.

Os Novos Baianos, como Moraes gostava de dizer, levava alegria em momentos difíceis. Foi assim durante a ditadura militar no Brasil, quando eram tolerados - seus únicos problemas eram com a polícia pelo consumo de drogas. "Sinto que os Novos Baianos têm uma missão no Brasil. Aparecemos num contexto político difícil (a ditadura militar) e viemos para levantar a autoestima do povo brasileiro", afirmou no lançamento da última turnê da banda, iniciada em 2016.

"Quando cantávamos 'Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor' ('Brasil Pandeiro'),  era para acreditar que podíamos sair daquele momento. E saímos: da ditadura para a democracia. Hoje é a mesma missão: sair dessa para uma melhor."

Moraes deixou a comunidade hippie e a banda em 1975, motivado tanto pelas brigas com Baby quanto pela necessidade de dar uma vida mais “estável” para os filhos Davi e Ciça. “Os caras tomavam o leite deles no mingau da larica”, contou na já citada entrevista a “O Globo”.

Solo

Em carreira pós-Novos Baianos, Moraes Moreira lançou 29 discos, incluindo dois ao lado de Pepeu Gomes, seu ex-companheiro de banda. Em parceria com o guitarrista Armandinho, fez grande sucesso com a marchinha “Pombo Correio” e se tornou o primeiro cantor de trio elétrico ao subir no trio de Dodô e Osmar - os trios eram comuns, mas não tinham cantores, apenas marchinhas embaladas pela guitarra baiana.

Moraes mergulhou nas músicas de carnaval durante o final dos anos 1970 e início da década seguinte, mas acabou se afastando devido à comercialização do carnaval baiano e se aproximou o violão erudito.

Em 2012, aniversário de 40 anos de "Acabou, Chorare", Moraes veio a Vitória ao lado do filho Davi para um show de aniversário do disco na finada Estação Porto, no Centro. 

Os Novos Baianos chegaram a se reunir em 1995, “fizemos o disco e tchau”, e em 2016, quando produziram um DVD e excursionaram pelo país, passando, inclusive, pelo Espírito Santo. O último disco solo de Moraes foi “Ser Tão”, voltado para as raízes nordestinas.

Paixão pelo Flamengo

Moraes era flamenguista apaixonado. O baiano cresceu ouvindo as rádios que chegavam ao interior da Bahia e os jogos do Rubro-negro carioca. “Eu sou Flamengo. Não sou Bahia nem Vitória”, dizia quando questionado.

O músico foi próximo de muitos jogadores do Flamengo como Paulo César Caju e Zico. Quando o Galinho foi vendido à Udinese, em 83, Moraes escreveu “Saudades do Galinho”. “E agora como é que eu fico nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã? Agora como é que eu me vingo de toda derrota da vida, se a cada gol do Flamengo eu me sentia um vencedor?”, cantava em versos que agora podem ser utilizados para falar de sua ausência.

Antes, embalado pelo time de Zico, gravou “Vitorioso Flamengo” e posou na capa do disco “Pintando o 8” com a camisa do clube. Moraes chegou a comemorar seu aniversário de 70 anos, em 2017, com show na Gávea na presença de Zico, Adílio, Rondinelli e outros jogadores por quem tanto torceu.

"Conheci o Moraes muito cedo, ainda nos Novos Baianos. Lógico que a gente fica desnorteado quando existe uma perda desse tipo. Vai fazer muita falta para a música. Sem dúvida foi um dos grandes rubro-negros da minha geração. Que Deus o tenha. Força pra família. Que a obra dele continue firme, ele foi um dos grandes artistas da música no nosso país", disse Zico em suas redes sociais

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