A ideia da Sony com “Morbius” é clara: fazer com outro vilão do Homem-Aranha o que já foi feito em “Venom”, um sucesso inesperado, e capitalizar em cima do acordo que libera o Cabeça de Teia para os filmes do Universo Cinematográfico Marvel. Com um ator de peso vivendo o personagem título, Jared Leto, e nomes como Michael Keaton, Adria Arjona, Matt Smith, Jared Harris e Tyrese Gibson dando estofo ao elenco, a ideia parecia simples, bastava não estragar tudo. “Morbius”, no entanto, talvez seja o pior filme baseado em histórias em quadrinhos feito desde o início dos anos 2000.
Em resumo, nada funciona no filme dirigido por Daniel Espinosa (“Protegendo o Inimigo”). O Dr. Michael Morbius (Leto) desde criança lida com uma condição rara, uma doença sanguínea que dificulta sua locomoção e para a qual dedicou sua vida em busca de uma cura. Em um ato de desespero e esperança, Morbius se torna cobaia de um experimento que mistura seu DNA ao de uma rara espécie de morcego-vampiro. Obviamente as coisas não saem exatamente com o planejado e ele até consegue resolver parte de seu problema, mas se torna o “vampiro vivo” que precisa de sangue para sobreviver.
Estranhamente, talvez para tentar conferir uma tensão à narrativa, os acontecimentos do parágrafo anterior tomam todo o primeiro ato de “Morbius”, mas poderiam facilmente ser resolvidos em um prólogo ou em uma rápida montagem. A ideia do cientista com ética duvidosa que se vê vítima do próprio experimento é uma das mais batidas fórmulas das histórias de seres poderosos e não precisava de tanto tempo para ser contada em tela.
O tempo gasto no primeiro ato seria mais bem utilizado na construção do antagonismo entre Morbius e Milo (Matt Smith). Nos quadrinhos, antes de se tornar uma espécie de justiceiro, Morbius é um vilão. Só quando seu amigo também se torna um vampiro e dá início a uma sanguinária matança é que ele decide seguir outro caminho. Morbius e Milo sempre foram contrapesos um para o outro em uma relação complexa, os dois lados de uma escolha. No filme de Espinosa, porém, os posicionamentos são quase imediatos - o protagonista é um anti-herói e seu ex-amigo, um caricato vilão.
No piloto automático e com um texto constrangedor em mãos, Jared Leto tem atuação rasa e sem suas conhecidas afetações. Adria Arjona vive o interesse amoroso e a bússola-moral do herói, um papel que ela cumpre bem, mas sem destaque. Constrangedores mesmo são os papéis de Jared Harris e Tyrese Gibson, dois policiais que não fazem diferença alguma ao filme e poderiam perfeitamente nem estar ali, pois não são utilizados nem para as convenientes movimentações do roteiro, muletas que “Morbius”, o filme, usa o tempo todo.
Um dos grandes erros do filme é se levar a sério, como se Morbius fosse uma versão séria de Venom. Neste cenário, Matt Smith é quem se destaca justamente por demonstrar ser o único a se divertir no filme. Seu vilão é tão caricato que diverte e rouba a cena pelos exageros e por explorar um lado ridículo que o filme tenta não abraçar.
A ação de “Morbius” tem bons momentos, mas é confusa e incompreensível na maioria das cenas. Há boas ideias e alguns “poderes” do protagonista são bem utilizados, mas a execução é ruim e o filme nunca cumpre sua promessa de uma história de terror, se aproximando de narrativas de ação genérica que talvez funcionassem nos anos 1990 ou até mesmo após o sucesso dos primeiros “X-Men” e de “Blade 2”, no início dos anos 2000. Estamos falando de um filme que se vende como um terror de vampiros, mas no qual praticamente não há sangue, renunciando a qualquer chance de conferir ao filme ao menos uma camada “gore”. Outro incômodo é causado pelo excesso de computação gráfica, que chega a parecer desleixo nas construções faciais dos vampiros - um trabalho de maquiagem seria muito mais eficiente em Morbius e Milo.
Ainda, e sem entrar em spoiler algum, as já habituais cenas pós-créditos fazem pouco sentido diante de toda a construção do personagem no filme. A necessidade da Sony de seguir a fórmula Marvel (e se conectar a ela) e criar seu próprio universo compartilhado ao redor dos vilões do Homem-Aranha é falha e confusa. Os acontecimentos das duas cenas pós-créditos vão mais irritar os espectadores do que dar a eles aquela sensação de curiosidade ou recompensa, principalmente porque muito do que foi vendido no trailer não está presente no filme.
O grande problema de “Morbius” é ser um filme genérico o tempo todo, com um roteiro cheio de muletas. Todas as boas ideias (há algumas) são comprometidas com soluções fáceis de um texto preguiçoso. O filme estrelado por Jared Leto é bobo como história de origem de um herói, não funciona como terror (nem como “terrir”) e se leva a série demais, se distanciando, assim, do ridículo que torna “Venom” um produto divertido e rentável. O sucesso do filme estrelado por Tom Hardy, inclusive, é o que garante que esta não será a última vez que veremos o Vampiro Vivo de Jared Leto nos cinemas mesmo que "Morbius" seja um fracasso, afinal o filme do "Sexteto Sinistro" inevitavelmente chegará às telas credenciado pelo sucesso de "Venom".
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