Em 6 de fevereiro de 2017, a revista “New Yorker” publicou um artigo de Luke Mogelson com o título “The Desperate Battle to Destroy Isis” (“A Batalha Desesperada para Destruir o Estado Islâmico”, em tradução livre). O detalhadíssimo texto contava a história de uma unidade da SWAT iraquiana formada por policiais locais e sua luta contra o Estado Islâmico (Daesh) em Mosul, que já havia sido a segunda maior cidade do Iraque e da qual só restavam as ruínas. Após anos de ocupação, torturas, estupros e devastação, o Daesh fugia da cidade - a tal equipe da SWAT eliminou tantos membros do Daesh que se tornou a única equipe para qual o Estado Islâmico não ofereceria uma chance para seus integrantes trocarem de lado. Caso fossem capturados, os policiais seriam sumariamente executados.
Lançado pela Netflix na última semana, “Mosul”, dirigido e roteirizado por Matthew Michael Carnahan, conta a jornada desse esquadrão SWAT em sua última missão. O filme produzido pelos irmãos Joe e Antony Russo (“Vingadores Ultimato”) usa o artigo de Mogelson para criar o que talvez seja o filme definitivo sobre o conflito contra o Estado Islâmico no Iraque, uma jornada poderosa, que consegue tornar a missão de um grupo algo pessoal.
O filme tem início em meio a um tiroteio. O espectador não entende ao certo quem é quem ou de que lado estão os envolvidos, mas tampouco os combatentes parecem entender algumas dessas diferenças. Após o conflito conhecemos Kawa (Adam Bessa), um jovem policial que acabou de perder o tio em um confronto com o Estado Islâmico. Ele é salvo pela equipe SWAT comandada pelo Major Jasem (Suhail Dabbach) e, após um interrogatório, é absorvido pela equipe - Jasem só seleciona policiais que foram feridos ou perderam familiares em conflito contra o Daesh.
O roteiro acompanha a equipe na misteriosa missão que é maior que apenas lutar contra os soldados remanescentes do Estado Islâmico e não é totalmente esclarecida até o ato final do filme. Em tela, Kawa faz o papel do espectador; é a ele que explicam o que acontece, pelo que lutam, quem são aquelas pessoas. E o texto merece elogios por nunca soar didático ao extremo. Pelo contrário, ele pode até ser acusado de explicar pouco e causar alguma confusão no espectador.
“Mosul” é muito eficaz em mostrar a destruição causada pelo conflito na região. Não resta praticamente nada e o perigo é iminente. O roteiro transmite essa sensação e não tem problema nenhum em matar alguns personagens para reforçar que a morte pode estar em cada esquina. O texto também coloca outros grupos no caminho da SWAT, o que nos ajuda a entender que Mosul, a cidade, é terra de ninguém.
Apesar de ser uma produção americana, “Mosul” é todo falado em árabe e protagonizado por atores da região. A assinatura dos irmãos Russo garante que o filme tenha um orçamento grande o suficiente para conferir veracidade e grandiosidade a uma guerra civil. É louvável que eles (os Russo) tenham aproveitado a fama conquistada no universo Marvel para produzir filmes como “Mosul”, o ótimo “Resgate” e “Crime Sem Saída”, histórias que provavelmente não teriam o mesmo investimento de estúdios sem o envolvimento dos irmãos.
Voltando a “Mosul”, o filme é tenso durante quase todo o tempo, com conflitos, atiradores snipers, negociações e até tensas questões humanas. Assim, quando a equipe SWAT tem um momento de descontração, é impossível não sentir uma pitada de alívio junto deles e entender a importância daquele momento aparentemente tão simples.
O interessante de “Mosul” é que o filme é capaz de agradar tanto fãs de ação, algo que oferece com excelência, quanto quem procura um bom drama pessoal. Ainda, com a força dos fatos a seu lado, o filme é potente o suficiente para transmitir uma mensagem política mostrando os horrores de um conflito em que os envolvidos nem sequer sabem mais ao certo contra quem estão lutando. Vale ressaltar que, mesmo sendo um filme americano, “Mosul” não leva os EUA para o conflito para salvar o dia - a guerra é entra policiais iraquianos e o Daesh, e as dores, da população iraquiana.
“Mosul” é uma experiência visceral e precisa. Com apenas 90 minutos de duração, atuações fortes e uma história real, o filme dirigido por Matthew Michael Carnahan para a Netflix é um dos grandes filmes de guerra dos últimos anos. O público pode até parecer meio perdido durante um ou outro momento, mas o roteiro recompensa o espectador ao fim de uma jornada violenta, poderosa e curta, como pode ser a vida em um conflito.
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