Lançado em 2002, o coreano “Conflitos Internos” é uma aula de cinema policial. O filme de Andrew Lau e Alan Mak se tornou popular em um tempo que não era tão fácil ter acesso às produções coreanas - era torcer pra locadora do bairro comprar cópias dos filmes que iam bem nos festivais mundo afora e acabavam lançados no Brasil sem muito estardalhaço. A história do policial infiltrado na máfia ao mesmo tempo em que um espião da máfia fazia carreira na polícia ficou famosa quando Martin Scorsese a refilmou com Leonardo DiCaprio, Matt Damon e Jack Nicholson sob o nome de “Os Infiltrados”, em 2006, filme que rendeu ao diretor seu único Oscar.
“My Name”, série lançada pela Netflix na última semana, bebe direto na fonte do filme de 2002. A premissa da série criada e dirigida por Kim Jin-min (“Extracurricular”) é diferente, uma história de vingança, mas a dinâmica é bem similar, com uma jovem ligada à máfia coreana infiltrada na polícia local.
A estrela coreana Han So-hee Han (“The World of Married”) vive Yoon Jiwoo, uma jovem estudante cuja vida se torna um inferno após o pai ser acusado de ligação com a máfia. Seguida por policiais que buscam seu pai e motivo de piadas na escola, Yoon comete um erro e vê o pai ser assassinado diante de seus olhos. A jovem então parte em busca de vingança, mas sem ter a menor ideia de onde começar. É quando surge Choi Mujin (Park Hee-soon), chefe da máfia e ex-melhor amigo do finado pai de Jiwoo. Ele a leva para o local onde treina seus recrutas e não demora para que ela enxergue nele uma figura paterna. Há uma passagem de tempo e logo a jovem faz parte do quadro da polícia coreana.
“My Name” é uma série intensa e que nunca permanece parada. Mesmo com a trama principal caminhando com uma boa cadência, o roteiro sempre apresenta conflitos menores e até algumas subtramas interessantes para manter a série em movimento durante os oito episódios de cerca de 50 minutos cada. Ao final de cada um dos episódios, a vontade de clicar imediatamente para assistir ao próximo é natural e inevitável.
A série faz bom uso das estruturas do gênero de policial infiltrado, com Jiwoo sempre sob o risco de ser descoberta, mas consegue fugir dos clichês de criar uma “quase revelação” a cada episódio e trabalha mais na construção da tensão, deixando o público imaginar o que uma ou outra escolha pode representar no futuro. O jogo entre máfia e polícia é atrativo e faz com que o espectador tente adivinhar qual será o próximo passo deles e como o outro reagirá a tal acontecimento.
O grande chamariz da série são as impressionantes sequências de luta. Quando a primeira delas ganha as telas, em uma sala de aula, já entendemos haver algo especial ali, impressão que é reforçada a cada nova cena. “My Name” tem coreografias criativas e violentas, com Jiwoo se adaptando ao adversário a cada luta, ou seja, nenhuma luta é igual à anterior e elas nunca parecem exageradas. Ainda, os combates deixam marcas, fazendo com que Jiwoo se deteriore física e mentalmente durante a série.
Um dos méritos de “My Name” é nos fazer sentir a dor dos personagens a cada combate; a narrativa alterna recursos visuais e a boa utilização do som para brincar com os sentidos do público. Como a série apresenta diversos duelos de facas, o som dos cortes causa arrepios - não precisamos vê-los atingido o rival quando já escutamos o som deles.
“My Name” é também uma série visualmente atrativa, com fotografia digna de cinema, com muita utilização ângulos diferentes de câmeras e cores para marcar os personagens. O vermelho mostra a crescente violência da protagonista, enquanto o azul surge nos momentos em que se mostra firme, legal. Já o o preto contrasta com tons mais claros quando é Choi Mujin em tela, justificando a dualidade do personagem, um criminoso refinado, elegante e extremamente violento.
O destaque técnico e da qualidade das lutas não esconde também o fato de “My Name” ser uma série com bons personagens. Alguns coadjuvantes são rasos e outros, mal explorados, mas Jiwoo e Choi Mujin são personagens complexos às voltas com seus próprios questionamentos. A protagonista é uma mulher quebrada, sisuda, que quase se sente culpada ao receber afeto ou ao se sentir feliz, como se fosse um desvio de sua vingança. Já o mafioso é um sujeito de fortes princípios e parece desgastado pelo peso do posto que ocupa e pelas decisões tomadas.
O roteiro de Kim Ba-da é esperto ao resolver os conflitos que coloca em tela e não deixar que eles se arrastem. Os ganchos são honestos e a série segue a tendência de não deixar grandes mistérios no final de cada episódio, recurso que tem funcionado bem para as tramas criadas para o streaming e que apostam em maratonas de consumo sequencial.
Como um bom drama coreano, “My Name” tem sua dose de melodrama, principalmente no terceiro ato da série, a partir do meio do sexto episódio. Quando a pegada melodramática começa a cansar, porém, o texto toma uma decisão ousada e abre diversas possibilidades para os momentos finais - a violência retorna ainda maior e o último duelo, que parecia destinado a não acontecer, explode em tela de maneira surpreendente.
Com ótimas atuação e uma direção comandada por quem entende de cinema, “My Name” é mais uma prova da força da produção audiovisual coreana, traz boas referências, e pode se beneficiar do recente sucesso de “Round 6” para ganhar capilaridade. A série da Netflix é tensa e violenta o tempo todo, quase sem alívio cômico, mas não é uma série pesada de se assistir. Na verdade, a sensação ao assistir Han Soo-hee em tela é de diversão a cada sequência que vemos Jiwoo batendo em quem aparecer pela frente.
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