Um dos gêneros mais consagrados na história do cinema, os filmes de guerra poucas vezes foram tão cruéis quanto em “Nada de Novo no Front”, filme alemão lançado pela Netflix baseado no livro homônimo de Erich Maria Remarque, que escreveu o livro a partir de suas memórias como soldado na Primeira Guerra.
Um dos grandes filmes de 2022 e presença certa no Oscar 2023 (pelo menos na categoria de Filme Internacional), o filme acompanha Paul Bäumer (Felix Kammerer), um adolescente desesperado para se alistar no exército alemão para servir na Primeira Guerra Mundial. É claro que, para Paul e seu grupo, o combate é vendido como uma forma de heroísmo, uma "marcha a Paris", por políticos que não se importam com o verdadeiro abatedouro que era o campo de batalha das planícies para onde o batalhão seria enviado.
Berger é inteligente ao abrir seu filme com o silêncio. À distância, uma cena parece um quadro, um cenário branco com uma mancha vermelha, mas à medida que a câmera se aproxima, entendemos o contexto. Não demora para o conflito explodir e revelar a violência que nos espera - os uniformes dos soldados mortos são recolhidos, reparados (com máquinas de costura emitindo sons similares aos de metralhadoras) e o filme nos leva a Paul e outro grupo de jovens soldados prestes a substituir os mortos no conflito.
Em sua terceira versão para as telas (a de 1930 ganhou o Oscar de Melhor Filme), “Nada de Novo no Front” é cru e violento. A fantasia de heroísmo não dura o primeiro dia de combate, quando jovens relutantes, com expressões de terror no rosto, e sem nem saber exatamente pelo que lutam, enfrentam soldados franceses em campo aberto, nas batalhas de trincheiras na Frente Ocidental.
O roteiro nunca é didático, mas entrega o suficiente para o espectador entender as motivações anti-guerra do texto. Políticos e militares de alto escalão discutem em ambientes confortáveis, questionando se o croissant foi ou não produzido naquele dia, enquanto jovens vivem em trincheiras sujas e insalubres, sempre à espera de um conflito e lidando diariamente com a morte de companheiros. A atuação de Kammerer, um novato, é espetacular ao capturar os horrores da guerra no olhar, no que não é dito - em alguns respiros, Berger mostra os soldados construindo uma relação de camaradagem, o que nos aproxima deles.
Contrastando com o constante desespero de Paul, acompanhamos também o sempre positivo Kat (Albrecht Schuch), que funciona quase como um ponto de equilíbrio para o protagonista. A dinâmica entre os dois reforça o senso de parceria entre eles e garante ao filme momentos de afeto. Essas sequências são quase sempre breves e algumas acabam sendo até cruéis ao fim, mas oferecem um respiro ao público e humanizam as figuras enviadas à guerra para lutar “por Deus e pela pátria”, palavras do comandante militar.
O diretor acerta ao não se apegar demais a seus personagens, conferindo ao filme a necessária impressão de que qualquer um pode não estar presente na cena seguinte, afinal, quase 20 milhões de pessoas morreram na Primeira Guerra Mundial entre 1914 e 1918. Assim, sempre que tiros irrompem as trincheiras ou quando soldados tentam, quase sempre sem sucesso, invadir a trincheira inimiga, tudo pode acontecer. O conflito na Frente Ocidental, vale lembrar, foi um dos mais inúteis da história das guerras, servindo apenas para a morte de milhoes de jovens soldados.
“Nada de Novo no Front” não romantiza a guerra com melodramas, não cria heróis ou jornadas heróicas, ele é puro caos, sujeira, medo e horror que o tornam um filme de guerra bem diferente, por exemplo, de “1917” (2019), apenas para me ater a um que lida com o mesmo conflito e com o qual o filme de Berger será comparado. A fotografia de James Friend alterna belos enquadramentos em campo aberto com sequências mais fechadas nas expressões de medo dos personagens. O desconforto vem também da excelente trilha sonora de Volker Bertelmann, compositor com longa lista de trabalhos na indústria e indicado ao Oscar por “Lion” (2016), que torna o filme de Edward Berger uma experiência sensorial forte.
Ao longo de suas quase duas horas e meia de duração, “Nada de Novo no Front” está sempre em movimento. As cenas de guerra dão lugar a discussões políticas que até indicam os motivos do futuro da Alemanha décadas adiante, com o surgimento do nazismo, a ascensão de Hitler e a Segunda Guerra Mundial. À medida que o armistício de novembro de 1918 ganha força, os soldados vivem uma corrida contra o tempo; eles até comemoram a assinatura da paz, não importa para eles quem venceu a guerra, eles sõ não querem mais fazer parte daquilo, mas são apenas peões descartáveis no jogo político, como fica claro em vários momentos.
“Nada de Novo no Front” é brutal, cruel, sujo e violento, um retrato da falta de humanidade que significa uma guerra em que soldados nem sequer sabem pelo que lutam e têm muito mais em comum com soldados inimigos do que com os generais e políticos que os querem lá. O filme mostra o pior da humanidade e oferece uma experiência que não é necessariamente fácil, mas sobre a qual o espectador passa muito tempo refletindo após o término. Um filme imperdível e espetacular.
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