Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Não Olhe Para Cima" é bom, mas seria ótimo três anos atrás

Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence e Meryl Streep comandam estelar elenco de comédia sobre fim do mundo que chega à Netflix no dia 24

Vitória
Publicado em 09/12/2021 às 01h18
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Filme "Não Olhe Para Cima". Crédito: NIKO TAVERNISE/NETFLIX

É impossível negar que a característica de “Não Olhe Para Cima” que mais chama a atenção é seu elenco. O filme de Adam McKay reúne nomes como Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Jonah Hill, Tyler Perry e até Ariana Grande, mas é preciso falar um pouco de McKay para entender melhor a discussão ao redor do filme.

McKay é um sujeito de ascensão meteórica - de roteirista do “Saturday Night Live”, ele se tornou roteirista e diretor de comédias como “O Âncora”, “Os Outros Caras” e “Quase Irmãos” para logo depois ganhar Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por “A Grande Aposta”. Assim, de repente, o cineasta era um dos nomes mais interessantes da indústria. “Vice”, seu filme seguinte, teve oito indicações ao Oscar e foi premiado com a estatueta de Melhor Maquiagem a Cabelo. Essa moral e uma assinatura de autor (goste ou não) explica como McKay conseguiu reunir tantos nomes importantes para seu novo filme, que chega nesta quinta (9) aos cinemas e desembarca dia 24 na Netflix.

“Não Olhe Para Cima” começa muito bem, com Kate (Lawrence), uma estudante de astronomia que detecta algo assustadoramente anormal. Ela prontamente chama seu professor, o Dr. Randall (DiCaprio), que não acredita no que vê - Kate descobriu um cometa que deve atingir a Terra dentro de alguns meses com efeitos devastadores para toda a humanidade.

A dupla parte para Washington para repassar a informação para a presidente Orlean (Streep), mas ela não parece dar bola para os dois cientistas claramente desesperados. Como dizem, “todo filme catástrofe tem início com um governo ignorando um cientista”. Kate e o Dr. Randall decidem então levar a informação para a mídia.

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Filme "Não Olhe Para Cima". Crédito: NIKO TAVERNISE/NETFLIX

“Não Olhe Para Cima”, em uma tacada, se vende como uma crítica tanto aos governantes quanto aos veículos de comunicação. A mídia não se interessa tanto pelo cometa que deve acabar com a existência na Terra e não parece disposta a dar espaço para os cientistas porque eles “não ficam bem em tela”. “Deixe as coisas mais leves, divertidas”, diz um produtor de TV (Tyler Perry) aos cientistas prestes a falar sobre assunto; quando não o fazem, viram meme.

Adam McKay opta por um humor direto e absurdo. O roteiro, coautoria do cineasta e de David Sirota, busca satirizar a maneira como as instituições lidam com o aquecimento global e o meio ambiente em si - nunca é urgente, sempre pode ser deixado para depois. Curiosamente, o filme entraria em produção quando a pandemia atingiu o mundo, então McKay adaptou o texto para torná-lo também uma sátira ao negacionismo em relação à Covid. A presidente de Meryl Streep é praticamente Jair Bolsonaro ou Donald Trump em um corpo de mulher.

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Filme "Não Olhe Para Cima". Crédito: NIKO TAVERNISE/NETFLIX

É interessante como “Não Olhe Para Cima” se aproveita bem de seus poucos momentos de sutileza, como quando aborda os pais de Kate, a maneira como o mercado publicitário trata a chegada do cometa como “oportunidade”, ou o péssimo “timing” do cometa durante a campanha de reeleição, mas essas características são apenas detalhes.

Isso não ocorre por acaso, o cineasta realmente opta pelo exagero para reforçar o conflito entre ciência, política e mídia. Os núcleos político e do jornalismo parecem se esforçar para levar os cientistas ao limite, mas, com isso, levam também raiva ao espectador. Muito disso, vale ressaltar, se dá porque “Não Olhe Para Cima”, apesar da linguagem atual e dos rostos contemporâneos, parece um filme datado talvez por já termos pleno conhecimento de que aquela representação é real, que há governantes que fariam o mesmo que a presidente vivida por Meryl Streep, que parece se divertir bastante no papel.

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Filme "Não Olhe Para Cima". Crédito: NIKO TAVERNISE/NETFLIX

Apresentados os problemas e baixando as expectativas geradas pelos envolvidos, “Não Olhe Para Cima” é um bom filme. É interessante como Adam McKay manipula os sentimentos da audiência com uma narrativa que vai do humor de constrangimento à raiva, passando pela frustração e até um pouco de esperança - uma montanha-russa de sentimentos com a qual nos acostumamos a viver nos últimos anos.

Os absurdos do texto ganham mais força com as atuações de todos os envolvidos. DiCaprio é ótimo como o antissocial cientista que não sabe como lidar com pessoas, enquanto a raiva Lawrence entrega ao público o quão ridícula é a reação das instituições com um provável fim do mundo. Além dos já citados Meryl Streep e Jonah Hill, que vive o filho da presidente, “Não Olhe Para Cima” ainda tem participações de Cate Blanchett, Mark Rylance, Tyler Perry, Timothée Chalamet e Ron Pearlman, todos ótimos em seus papéis e aparentemente adorando fazer parte da brincadeira.

Sem entrar em spoilers, o roteiro ganha novos contornos à medida que o cometa se aproxima, com lados opostos tornando o “fim do mundo” uma questão política - trabalhar junto para evitar a destruição da Terra não parece ser uma opção. Novamente, os paralelos traçados por McKay encontram reflexos na realidade mais como motivo para revolta do que para diversão.

“Não Olhe Para Cima” talvez não seja o grande blockbuster que o elenco sugere ser, mas passa longe de ser uma “bomba” como andam dizendo. O filme de Adam McKay é uma jornada de emoções conflitantes justamente por estarmos vivendo algo parecido com o que vemos em tela - pode até ter perdido o frescor que a ficção oferece, mas é muito eficaz em escancarar os absurdos tão normais com os quais nos habituamos a conviver.

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