É impossível, obviamente, dissociar a série documental “Neymar: O Caos Perfeito” do jogador que hoje carrega o nome Neymar Jr. nas camisas do PSG e da Seleção Brasileira. Goste ou não dele, Neymar é um dos jogadores mais talentosos e completos que já pisaram profissionalmente em um gramado de futebol - ele é rápido, habilidoso como poucos, extremamente técnico, troca de direção com uma facilidade assustadora, chuta com os dois pés e é fisicamente forte. Dito isso, algumas escolhas profissionais e pessoais do jogador podem e até devem ser questionadas. Será Neymar um caso de craque que nunca atingirá todo seu potencial?
Lançada pela Netflix nesta terça (25), “Neymar: O Caos Perfeito” é surpreendente corajosa ao não ser apenas uma obra para alardear os talentos do jogador. Na verdade, em um primeiro momento, a série é até mais “pé no chão” do que grande parte das narrativas biográficas de personalidades esportivas ou artísticas.
Em três episódios de cerca de uma hora de duração, a série da Netflix é inteligente ao criar um falso equilíbrio entre críticas e elogias a Neymar. O documentário resgata a infância em Praia Grande, os primeiros passos com a bola, e também funciona bastante para massagear o (enorme) ego de Neymar pai, um ex-jogador profissional de nenhum destaque que visivelmente transfere ao sucesso do filho todas as metas que não chegou nem perto de atingir.
A série é boa em apresentar seu protagonista e suas contradições desde o início, resgatando, por exemplo, o jogo em que o craque, então no Santos, discutiu com seu treinador, Dorival Júnior, por uma cobrança de pênalti. Na ocasião, o treinador do time adversário, Renê Simões, foi duro ao se dizer envergonhado com as atitudes do jogador e ponderar: “estamos criando um monstro”. Neymar se desculpou no dia seguinte, assumiu ter errado, mas aquilo já não importava mais, pois todo o noticiário esportivo do país estava repercutindo seus atos e a afirmação de Simões.
“Neymar: O Caos Perfeito” não foge da discussão, mas ela sempre se encerra com uma justificativa do jogador como a palavra final sobre o assunto, algo esperado em uma biografia. A série é corajosa em diversos aspectos, como em introduzir na narrativa torcedores do PSG insatisfeitos com o comportamento do jogador fora dos gramados, mais próximo do de uma estrela da música do que de um atleta profissional. Esse desejo hedonista é normal em jogadores que sacrificam parte da infância e da adolescência em treinos e até de difícil condenação, mas há de se ressaltar que eles também podem acabar precocemente com a carreira de um atleta de alto nível.
Outro ponto interessante é quando a série defende seu biografado das acusações de “cai cai” ao mostrar apenas cenas de Neymar apanhando em campo - e ele apanha muito, o tempo todo, não há dúvidas disso, mas também simula bastante. Tudo, claro, é rebatido por Neymar ou seu pai, que faz questão de aparecer bastante na série.
É inclusive na relação entre pai e filho que a narrativa ganha algum conflito além do esporte, algo mais pessoal. Perto de completar 30 anos (a série foi filmada entre 2019 e 2020), Neymar se sente controlado pelo pai e busca liberdade para escolher seu destino e até mesmo cometer seus próprios erros.
Os três episódios abrem um pouco da intimidade do jogador, com brigas e momentos familiares, mas todos os conflitos funcionam apenas como escada para mais uma jornada de superação, um recurso sempre eficaz. Ao mostrar os “baixos” da carreira de Neymar, como a frustração da lesão na Copa de 2014 e o subsequente 7 a 1 a que assistiu da arquibancada, a série aborda também a acusação de estupro contra o jogador feita pela modelo Najila Trindade.
O roteiro mistura a opinião pública a depoimentos de uma espécie de comitê de crise para tratar do assunto, mas também traz a procuradora do caso. O processo foi arquivado por falta de provas e Najila acabou processada por fraude processual, extorsão e denúncia caluniosa - um desfecho muito diferente ao da acusação contra Cristiano Ronaldo, por exemplo, que acabou em um acordo de 375 mil dólares para encerrar o caso em segredo. Ainda no tema, a série praticamente exclui qualquer citação ao atacante Robinho (apenas uma fala impossível de ser editada permanece), ídolo, amigo e ex-companheiro de Neymar recém-julgado por estupro na Itália e condenado a nove anos de prisão.
A narrativa se torna menos interessante quando traz os pais de Neymar, pois a mãe do craque tem pouco a acrescentar e o pai está ali para alimentar o próprio ego. Ainda assim, a série constrói seu protagonista como um bom filho, um amigo fiel, um pai carinhoso e um sujeito ciente de que nem sempre faz as melhores escolhas, mas que sempre se mostra disposto a dar a volta por cima e provar que seus críticos estão errados, sejam eles comentaristas de futebol seja as torcidas de PSG e Seleção Brasileira.
“Neymar: O Caos Perfeito” é ótima para quem é fã de Neymar, mas também funciona muito bem para fãs de futebol em geral. A série resgata alguns jogos importantes do Barcelona e do PSG com boas imagens e depoimentos de jogadores envolvidos - Messi, Mbappé, Di Maria, Thiago Silva, Suárez, entre outros.
É interessante que a série tenha sido feita enquanto o craque ainda tem muito a apresentar em busca de seu auge, que pode vir com um título da Champions League com PSG ou da Copa do Mundo com o Brasil. Até para o próprio Neymar, sua jornada parece incompleta sem essas conquistas da mesma forma que “Neymar: O Caos Perfeito” parece encerrar seu terceiro episódio com um sabor agridoce.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.