Chovia muito na noite de 13 de julho de 2002, quando o Golf conduzido por Ivan Crespo Manzieri derrapou na rodovia Presidente Dutra, em Seropédica-RJ, e bateu em uma árvore. Ivan sobreviveu, mas o proprietário do carro, o cantor Claudinho, sucesso ao lado de Buchecha, não teve a mesma sorte. Claudinho estava no banco de carona e havia decidido ir para um show em Lorena, de onde retornavam, com seu próprio carro ao invés de acompanhar o parceiro, a banda e a equipe na van, como sempre faziam.
Os momentos que antecedem o trágico acidente abrem o filme “Nosso Sonho”, que reconta a história de Claudinho & Buchecha, da infância pobre ao fenômeno musical que tirou o funk melody das favelas cariocas e levou o ritmo para o mundo inteiro, com milhões de discos vendidos. Dirigido por Eduardo Albergaria, o filme funciona como uma homenagem ao cantor, mas sofre com problemas narrativos e alguma caricatura.
“Nosso Sonho” trata do início da amizade da dupla, mas engrena mesmo quando Claudinho (Lucas Penteado) e Buchecha (Juan Paiva) se reencontram, já na adolescência, e dão início ao sonho de terem uma carreira como cantores de funk. É curioso como o filme busca homenagear Claudinho, mas é Buchecha seu verdadeiro protagonista e seu centro dramático.
É o drama familiar dele, por exemplo que segura boa parte do roteiro – a relação de Buchecha com o pai é a constante, mas o filme também tem o personagem de Juan Paiva como seu fio condutor. Neste cenário, o homenageado Claudinho se transforma em um agente transformador, em alguém que incentiva o amigo a buscar o sonho.
Lucas Penteado, paulistano, abusa da caricatura e do sotaque carioca artificial para dar vida ao funkeiro, mas o faz como se pouco tivesse visto o cantor falar ou se comportar. Assim, o Claudinho do filme é um sujeito extremamente ingênuo e quase bobo, incapaz de formular frases longas ou manter uma conversa minimamente razoável, algo que o verdadeiro Claudinho não era. Os excessos caricatos de Lucas contrastam com um Juan contido, como se algo (no caso, a relação com o pai) sempre o prendesse e o impedisse de seguir adiante, e talvez seja justamente essa a intenção do roteiro, mas não funciona.
“Nosso Sonho” sofre com detalhes aos quais a produção parece não ter dado importância. Em determinada cena, na teoria ambientada em 1994, os protagonistas assistem a um jogo do Flamengo, mas a partida mostrada na TV é a final do Brasileiro de 1992, entre Flamengo e Botafogo. Alguns dos jogadores pelos quais eles “torcem” na cena nem sequer estavam no clube dois anos depois. Ainda, Tanto Claudinho quanto Buchecha trajam uniformes que só seriam lançadas no mínimo cinco anos depois. São detalhes, mas mostram a falta de cuidado com algo que seria de fácil resolução.
Há também escolhas narrativas que esbarram nas fórmulas desgastadas das biografias. Tudo o que os protagonistas fazem é brilhante, importante. Claudinho, tratado como um agente transformador pelo filme, é uma espécie de Mestre dos Magos que surge quando o amigo precisa de algum conselho na vida pessoal ou de uma ideia, na vida profissional. “Nosso Sonho” opta pela muleta da fantasia ao mostrar as músicas nascendo como em um passe de mágica, algo parecido com o medonho “Bohemian Rhapsody”, ignorando fazer musical, o trabalho, e priorizando a suposta genialidade de seu homenageado. O filme também pouco explora os arquivos sobre Claudinho & Buchecha, utilizando apenas uma entrevista ao saudoso Jô Soares como um bom recurso de reconstrução e contexto de época.
“Nosso Sonho”, na verdade, é muito mais uma história sobre Buchecha, com Claudinho dando pitacos quando convé para o texto. É uma pena que o filme pouco explore o carisma e a história de seus biografados, preferindo entregar uma homenagem superficial que parece construída por alguém que apenas leu sobre Claudinho. O filme pode despertar a nostalgia, e é exatamente o que busca com algumas canções, mas não se sustenta como drama ou biografia.
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