As duas primeiras temporadas de “Cobra Kai” são ótimas e estão entre as produções mais interessantes da cultura pop dos últimos anos. A série conseguia equilibrar a nostalgia do arco dos eternos rivais Daniel LaRusso (Ralph Macchio) e Johnny Lawrence (William Zabka) ao frescor das tramas protagonizadas pelos filhos e alunos dos agora sensei.
A série inicialmente mostrava a história dos dois primeiros “Karate Kid” pelo ponto de vista do então vilão, Johnny, e nos aproximava dele para apenas depois equilibrar o jogo voltando as atenções para LaRusso. Um dos charmes da série inicialmente produzida pelo YouTube e depois adquirida pela Netflix é a maneira como ela tem noção dos pontos em que é ridícula, transformando o micro, um torneio de caratê no Vale de São Fernando, em algo grandioso, que definiria a vida daquelas pessoas.
Os protagonistas sempre tiveram uma dinâmica complexa, o que ajudava no desenvolvimento dos personagens. Ninguém em “Cobra Kai” era necessariamente bom ou ruim, o mundo não era tão simples assim no universo da série, o que trazia aquelas pessoas para perto do público. Na terceira temporada, as coisas mudaram com o crescimento de John Kreese na trama e seus intermináveis flashbacks. Um vilão caricato interpretado pelo limitado Martin Kove, Kreese tirou o centro da trama das dinâmicas LaRusso-Lawrence e Robby-Miguel.
A temporada também tenta se distanciar um pouco do núcleo adulto e se voltar aos adolescentes, o que nem sempre se mostra uma boa escolha com um texto irregular e incapaz de sustentar os conflitos adolescentes durante muito tempo - a série parece entrar em um ciclo. À época do lançamento, escrevi: “Os 10 novos episódios poderiam ser resumidos em quatro ou cinco (...) Quando o último deles chega ao fim, a sensação que fica é de que as novas possibilidades deveriam ter sido apresentadas e aproveitadas lá pelo sexto episódio, e não guardadas para uma nova temporada”.
4ª TEMPORADA
Em sua quarta temporada, que chega em 31 de dezembro à Netflix com 10 episódios, “Cobra Kai” repete erros e acertos da temporada anterior. O que vale ser destacado logo de início é: “Cobra Kai” continua sendo uma série divertida. A questão é saber até quando a nostalgia continuará tendo forças o suficiente para sustentar toda a série.
Após os acontecimentos finais da terceira temporada, a série tem início com LaRusso e Lawrence tentando trabalhar juntos para derrotar o novo Cobra Kai no aguardado campeonato de caratê. É curioso como o texto promete uma nova dinâmica entre seus protagonistas, mas acaba retornando à fórmula de antagonizá-los. Os dois senseis agora disputa estilos e alunos - Johnny vê Miguel (Xolo Maridueña) se aproximando de Daniel, que, por sua vêz, vê sua filha, Sam (Mary Mouser), com interesse pelo estilo ofensivo dos Eagle Fang.
Como é de praxe em “Cobra Kai”, a série traz de volta um personagem dos filmes “Karate Kid”. O problema é que, enquanto os primeiros filmes são bons, os subsequentes são bem ruins. A quarta temporada traz de volta Terry Silver (Thomas Ian Griffith), o vilão de “Karate Kid III” que agora vive uma vida de luxo e deixou seus dias de caratê no passado. “Eu estava sempre louco de cocaína e torturando um adolescente”, diz Silver, com alguma culpa e fazendo uma autocrítica, sobre sua atuação no terceiro filme. Mas é de “Cobra Kai” que estamos falando e caratê é a coisa mais importante daquele mundo, então é claro que Silver retorna ao Cobra Kai como o grande vilão da nova temporada.
O texto dos novos episódios repete a estrutura dos arcos anteriores, revelando um certo cansaço da fórmula. Não é difícil adivinhar o que vai acontecer, com LaRusso e Lawrence não se entendendo e jovens se brigando sempre que podem em qualquer lugar da cidade.
É curioso como “Cobra Kai”, na nova temporada, deixa o núcleo jovem em um plano secundário - são poucos os novos conflitos entre eles. Como já estamos ambientados às dualidades entre Sam e Tory (Peyton List) e Miguel e Robby (Tanner Buchanan), vemos apenas os conflitos se repetirem sem se aprofundar em nada. Assim, a série anda em círculos e demora oito episódios para chegar ao ponto que queríamos ver desde o final da terceira temporada.
Robby, inclusive, é uma das grandes decepções da nova temporada, como se roteiristas não soubessem mais o que fazer com ele. O roteiro passa nove episódios desenvolvendo uma característica interessante não apenas para ele, mas também uma percepção interessante para toda a série, mas opta por ignorar tudo o que desenvolveu em determinado momento - sem um vilão, e Robby acabou se tornando o vilão do núcleo adolescente, a série não encontrou saídas para construir novos heróis.
Parte do tempo é gasto com um arco para introduzir um novo personagem, Kenny (Dallas Young), um aluno recém-chegado à escola do Vale de São Francisco que se torna vítima de bullying de um grupo do qual Anthony LaRusso, filho de Daniel, faz parte. É interessante inicialmente como o roteiro tenta traçar paralelos entre esse novo arco e o primeiro “Karate Kid”, mas agora com um LaRusso no papel do valentão. Nunca passamos muito tempo nesse arco, no entanto, para nos apegarmos a um ou outro personagem, o que dá a impressão de que tudo é apenas a gênese de uma nova história, mais uma vez com uma fórmula já conhecida, a ser explorada na já confirmada quinta temporada.
“Cobra Kai” continua sendo divertida apesar de seus defeitos cada vez mais expostos, mas perde um pouco do frescor e do texto que misturava nostalgia e novidades. Um dos grandes méritos da série sempre foi entender o quão ridículo era aquilo tudo, a rivalidade entre aqueles marmanjos, e os melhores momentos da quarta temporada estão justamente quando o texto demonstra entender isso. Johnny continua
Há ótimos momentos, como quando Johnny resolve aprender as técnicas de LaRusso (a temporada inteira é a busca por esse equilíbrio) e as lutas do campeonato, com ótimas coreografias e filmadas com uma energia que empolga. “Cobra Kai” também continua sendo uma série afetuosa e com personagens imperfeitos.
Após a construção como uma espécie de anti-herói, Johnny ainda surpreende com boas piadas e algumas tiradas que são fruto do ótimo tempo de humor de William Zabka. Já Ralph Macchio cansa um pouco com seu bom-mocismo e sempre com algum ensinamento do Senhor Miyagi na ponta da língua, mas é essencial para a dinâmica da série.
Ao fim, a quarta temporada de “Cobra Kai” não se arrisca e repete o que deu certo nos últimos anos. É uma saída segura em busca do equilíbrio que tanto prega aos jovens personagens da série, mas algo insustentável por um longo período. O texto até ensaia algumas novidades, com alguns arcos interessantes (o de Hawk, por exemplo), mas é sempre superficial, retornando de alguma forma a seu núcleo duro e sacrificando os jovens. Com um gancho para a próxima temporada, a série precisa arriscar e introduzir novidades ao invés de se apoiar, cada vez mais, na nostalgia.
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