Mesmo tendo sido lançado em 2016, há algo muito 2020 em “Good Morning, Midnight”, livro de estreia de Lily Brooks-Dalton que chega às telas como “O Céu da Meia-Noite”: as relações humanas no fim do mundo.
Na distopia pós-apocalíptica criada por Brooks-Dalton, o planeta se encontra em meio a uma catástrofe global que tornou a superfície inabitável. Todos os sobreviventes estão indo para bases subterrâneas, mas não o Augustine (Clooney)… Com uma doença terminal, ele precisa entrar em contato com a nave e impedir que eles retornem à Terra após uma missão em busca de outro planeta habitável.
Dirigido por George Clooney e com adaptação de Mark L. Smith (“O Regresso”), “O Céu da Meia-Noite” chega à Netflix em 23 de dezembro e carrega dois filmes dentro de um só. Em um deles, acompanhamos Augustine ao lado da pequena Iris (Caoilinn Springall) sozinhos na estação científica. O início é um filme de isolamento, com os personagens se acostumando à rotina. O protagonista já está acostumado a ela, mas Iris confere uma nova dinâmica ao modo como escolheu passar seus últimos dias.
Paralelamente, acompanhamos a tripulação da nave capitaneada pelo personagem de David Oyelowo em seu retorno à Terra. No momento em que ela finalmente se aproxima o suficiente para uma comunicação, o silêncio é absoluto - algo aconteceu, mas os tripulantes não têm ideia. É quando as histórias se cruzam, ou mais ou menos isso…
Percebendo que a nave está dentro do raio de comunicação, mas sem o equipamento necessário para falar com ela, Augustine decide ir até uma outra estação mais bem equipada. O problema é que as condições do Polo Norte não são nada favoráveis a alguém com saúde debilitada e acompanhado de uma criança.
As duas histórias paralelas conferem a “O Céu da Meia-Noite” dois climas narrativos completamente distintos - e realmente foi como filmar dois filmes, como disse Clooney na coletiva de lançamento do filme. Na Terra, a jornada de Augustine tem pitadas de “O Regresso” (2016), com o cientista lutando contra a força da natureza para chegar à estação. Já no espaço, o filme ganha ares de “Gravidade” (2016), principalmente durante duas cenas que se completam em um balé espacial de dois atos, uma das sequências mais legais do cinema recente. Mérito para o diretor de fotografia Martin Ruhe e para o grande Alexandre Desplat (“A Forma da Água”), responsável pela trilha sonora, além, é claro, de Clooney, que idealizou a sequência, e da equipe de efeitos visuais, que a tirou do papel.
As atuações são ótimas, sem exceção e com destaque para Felicity Jones e Damián Bichir, o que pode render ao filme indicações ao prêmio do Sindicato dos Atores (SAG). O Oscar, no entanto, pode seguir outro caminho, pois Clooney, mesmo sendo querido pela Academia (tem indicações em seis categorias diferentes), em grande atuação e tendo filmado em condições extremas, não tem tanto tempo de tela assim. A parte técnica, impecável, também deve ganhar indicações. A soma desses valores provavelmente levaria Clooney a uma indicação a Melhor Direção
“O Céu da Meia-Noite” tem duas histórias interessantes, mas fica a impressão de que nenhuma das duas é totalmente explorada. Sim, ao fim, entendemos que o filme não é exatamente sobre aquelas jornadas. Ao mesmo tempo que tira um pouco a possibilidade um clímax mais forte, a virada do roteiro mostra a intenção real da trama, conferindo a ela um lado mais pessoal, saindo do macro, do fim do mundo, para a intimidade de um personagem. É bonito, mas não vai funcionar pra todos.
O que segura “O Céu da Meia-Noite” é que seu material original é irregular. O livro de Lily Brooks-Dalton conquista pela surpresa que causa ao fim, mas falha em conferir profundidade aos personagens. Assim, não é uma surpresa que o roteiro apresente as mesmas falhas. O texto até tenta dar um toque mais pessoal a alguns astronautas ou à dupla da Terra, mas nem sempre funciona. Ainda, um terceiro arco é inicialmente desenvolvido, mas esquecido pelo texto, que apenas o traz de volta quando convém.
Ao “fim” da jornada a sensação é de satisfação, mas falta algo - e não é que a conclusão não seja satisfatória, ela até corrige equívocos do fim do livro e tem um tom de esperança, mas é difícil trabalhar quando o material original não ajuda. “O Céu da Meia-Noite” trabalha bem a ficção científica, nunca explicando ao certo que aconteceu com o mundo, nos deixando, assim, quase tão às escuras quanto os astronautas, mas falha em despertar interesse por seus personagens. Quando isso finalmente acontece, pode ser tarde demais para o espectador se importar, o que pode custar bem caro em um filme sobre relações humanas.
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